sábado, 30 de maio de 2009

De ilusão também se vive (rs...) pra não ficar sério demais...

Para Viver Um Grande Amor

Vinicius de Moraes


Para viver um grande amor, preciso é muita concentração e muito siso, muita seriedade e pouco riso — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor, mister é ser um homem de uma só mulher; pois ser de muitas, poxa! é de colher... — não tem nenhum valor.

Para viver um grande amor, primeiro é preciso sagrar-se cavalheiro e ser de sua dama por inteiro — seja lá como for. Há que fazer do corpo uma morada onde clausure-se a mulher amada e postar-se de fora com uma espada — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor, vos digo, é preciso atenção como o "velho amigo", que porque é só vos quer sempre consigo para iludir o grande amor. É preciso muitíssimo cuidado com quem quer que não esteja apaixonado, pois quem não está, está sempre preparado pra chatear o grande amor.

Para viver um amor, na realidade, há que compenetrar-se da verdade de que não existe amor sem fidelidade — para viver um grande amor. Pois quem trai seu amor por vanidade é um desconhecedor da liberdade, dessa imensa, indizível liberdade que traz um só amor.

Para viver um grande amor, il faut além de fiel, ser bem conhecedor de arte culinária e de judô — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor perfeito, não basta ser apenas bom sujeito; é preciso também ter muito peito — peito de remador. É preciso olhar sempre a bem-amada como a sua primeira namorada e sua viúva também, amortalhada no seu finado amor.

É muito necessário ter em vista um crédito de rosas no florista — muito mais, muito mais que na modista! — para aprazer ao grande amor. Pois do que o grande amor quer saber mesmo, é de amor, é de amor, de amor a esmo; depois, um tutuzinho com torresmo conta ponto a favor...

Conta ponto saber fazer coisinhas: ovos mexidos, camarões, sopinhas, molhos, strogonoffs — comidinhas para depois do amor. E o que há de melhor que ir pra cozinha e preparar com amor uma galinha com uma rica e gostosa farofinha, para o seu grande amor?

Para viver um grande amor é muito, muito importante viver sempre junto e até ser, se possível, um só defunto — pra não morrer de dor. É preciso um cuidado permanente não só com o corpo mas também com a mente, pois qualquer "baixo" seu, a amada sente — e esfria um pouco o amor. Há que ser bem cortês sem cortesia; doce e conciliador sem covardia; saber ganhar dinheiro com poesia — para viver um grande amor.

É preciso saber tomar uísque (com o mau bebedor nunca se arrisque!) e ser impermeável ao diz-que-diz-que — que não quer nada com o amor.

Mas tudo isso não adianta nada, se nesta selva oscura e desvairada não se souber achar a bem-amada — para viver um grande amor.


Texto extraído do livro "Para Viver Um Grande Amor", José Olympio Editora - Rio de Janeiro, 1984, pág. 130.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Metodistas no Jornal Nacional

Fiquei feliz com a notícia, embora uma pulga atrás da minha orelha tenha ficado cochichando: Por que será isso, né? A Rede Globo deve ter alguma intenção oculta (rs!)...

Mas, sobre a obra social metodista: é um trabalho bonito, funciona de fato e era nisso que a gente deveria investir mais. Mudar a vida das pessoas é consequência de ações, não só de palavras...

Pena que a gente, como Igreja Cristã no mundo (não falo só da minha denominação, mas dessa postura acrítica, "amundo" - senão no sentido da prosperidade e do materialismo que impera - que anda por aí) anda se ensimesmando muito, ficando só pra dentro... De evento em evento... e no vento...

Um clamor por justiça, uma atitude de fé (Salmo 94)

O Salmo 94 está entre os chamados “imprecatórios”, que são um gênero de salmo em que se pede o castigo contra os inimigos. A linguagem do salmista é bastante dura e ele se dirige a Deus, já de início, em termos jurídicos: ‘Deus das vinganças’ (Dt 32.35), juiz da terra (Gn 18.25; Sl 9.5; Sl 58.10; Sl 74.8; Sl 118.137). Por isso mesmo, é um salmo que nos fala de uma tomada firme de atitude, não meramente no aspecto individual, mas também coletivo. Ele nos fala da dimensão social e política da fé. E quando falo em política, desejo usar o termo em seu sentido original, pois a raiz grega “polis” significa cidade e política era a expressão usada para falar do cuidado com as coisas da cidade, da colevidade. Muitas vezes, as pessoas têm tomado posições como indivíduos, se focam apenas em si mesmas. O salmista parece extrapolar-se; de cantor, torna-se profeta. Sua palavra convoca outros ao não-conformismo e chama o próprio Deus para interferir numa situação que ele considera ultrajante. Não fala isso de perto a nós também?

Até quando? (v.3)
Ao abrir meu e-mail na manhã do dia 15 de abril, quando escrevi este texto, uma notícia falava sobre um deputado que pagou as despesas de viagem da namorada com dinheiro público. Outra dizia que os funcionários de trem de uma companhia carioca usaram socos ingleses e chicotes para conter os usuários.
Até quando, Senhor, até quando exultarão os perversos e ouviremos os homens do colarinho branco se gabarem nos tribunais, se recusarem a confessar seus crimes, saindo incólumes (v.4)? Até quando nossas viúvas e órfãos (v.6) esperarão pelos precatórios do governo (v.20) e os madeireiros vão devastar nossas florestas com o apoio de senadores, deputados, governadores e prefeitos? Até quando faltarão lápis, cadernos e livros para nossas crianças (v.5-6) e as pessoas agirão como se Deus não fizesse caso disso (v.7)?

Atendei! (v.8)
Há um poema do dramaturgo alemão Bertold Brecht (1898-1956) que diz:
Primeiro levaram os negros/Mas não me importei com isso/Eu não era negro.
Em seguida levaram alguns operários/ Mas não me importei com isso/ Eu também não era operário.
Depois prenderam os miseráveis,/ Mas não me importei com isso/ Porque eu não sou miserável
Depois agarraram uns desempregados/ Mas como tenho meu emprego/ Também não me importei
Agora estão me levando/ Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém/ Ninguém se importa comigo.


Preocupar-se apenas consigo mesmo é o que ensina o chamado neo-liberalismo, esse modo de pensar que domina em nosso mundo hoje e que se manifesta de várias formas, inclusive na religião. O resultado é o que o poeta descreve – se não nos importamos com os outros, quem se importará conosco? É por isso que o salmista conclama seus compatriotas e usa duas palavras pesadas para nos mostrar qual era o estado de ânimo das pessoas em seu tempo – estúpidos e insensatos (v.8)! Estejam atentos! O que está acontecendo é também resultado de inércia, de auto-proteção e auto-cuidado egoístas!
Ele fala sobre a severidade do juízo de Deus nos versículos 9-11, exaltando o fato de que Deus não criou as coisas e foi embora (como creem alguns), mas está atento e presente.

Quem se levantará a meu favor? Quem estará comigo? (v.16)
Se eu disser algo, perderei o emprego. Se eu reclamar, serei malvisto. Falta pouco tempo para conseguir o que eu quero, não posso me envolver na briga dos outros... São argumentos que se ouve todos os dias, em diferentes lugares. São empregados insatisfeitos que esperam que os sindicatos façam por eles o que não querem se arriscar a fazer por si mesmos. São membros de igrejas insatisfeitos com sua liderança pastoral ineficiente, que esperam silenciosamente até que o problema seja movido com outra nomeação para outro lugar. São líderes pastorais ensimesmados e desesperançados que esperam a mesma coisa, para ter a chance de viver a mesmice num lugar diferente. O mundo se tornou um lugar sem esperança – a instituição se tornou mais importante que a vida. Pessoas sendo menos do que as coisas... Autoridade sendo mais importante que serviço... Que atitude tomar?
O salmista é um “sindicalista” solitário, um “membro” espezinhado pela incompreensão, um “pastor” de quem se espera que sejam entregues as credenciais. Ele é um profeta como Elias ou Jeremias, sentindo o peso do ministério e a solidão de defender um ponto de vista diferente do dominante, o qual usa a lei como pretexto para sua maldade (v.20). É pesado, eu sei, mas se é para falar sobre atitudes frente à vida, então o enfrentamento é uma das mais importantes. A realidade não é boa – mas fechar os olhos a isso é negar a natureza do chamado divino.
A Igreja fechada em si mesma não poderá nunca ouvir o clamor da mulher violentada, da criança agredida, do desempregado faminto, dos povos oprimidos no mundo, que perguntam: “Quem se levantará a meu favor? Quem estará comigo?”. No Jornal Nacional, Fátima Bernardes anuncia as estatísticas de violência contra a mulher – metade dos brasileiros conhecem uma mulher agredida. Na mesma edição, uma Igreja Metodista, na África do Sul, contendo o insuportável cheiro de perseguição e fome dos refugiados do país vizinho, Zimbábue. Quem estará com eles e elas? Quem se levantará a seu favor?
Mas isso não está longe de nós. Além das necessidades econômicas de muitas de nossas famílias, enchentes e greves, vemos muitas vezes em nossas instituições brasileiras (e metodistas) prevalecerem falas contraditórias às ações. Justiça social, igualdade para todos, Reino de Deus lado a lado com discursos autoritários e imposições de cima para baixo... O salmista não estava falando de gentios e pagãos – do outro, ao qual sempre culpamos por nossas mazelas. Ele falava de si mesmo, do seu povo, de sua gente, chamada para ser “bênção entre todas as nações”, reconhecidos como “povo de Deus”.
A atitude que gera mudança tem que começar dentro de nossas casas, de nossas igrejas, de nossas instituições, para aí, sim, podermos falar algo. Isso me lembra a história de Gandhi: uma mulher foi procurá-lo para pedir que ele orientasse o filho para não comer açúcar. Gandhi pediu que ela voltasse uma semana depois. Então, disse ao menino que não comesse açúcar. A mãe lhe perguntou: Por que o senhor não falou com ele na semana passada? Gandhi respondeu: Porque na semana passada eu ainda estava comendo açúcar...

Se não fora o Senhor, minha alma estaria na região do silêncio (v.17)
Nos salmos, orar é também mobilizar-se. O salmista sabe que sua esperança está em Deus e que por causa de sua fé ele consegue fazer ouvir sua voz. A força de Deus é sua alavanca de resistência. Quando escorrega, apóia-se na bondade divina (v.18), quando estressado e preocupado, recebe o consolo de Deus (v.19). Ele confia que Deus não desamparará seu povo (v.14) e concederá descanso mesmo nos dias maus (v.12). Acho muito significativo que ele construa sua fé entretecida ao sofrimento. Todo o salmo é alternado entre a constatação da realidade e a afirmação da esperança. É como usar óculos bifocais – ver aqui e lá ao mesmo tempo, com a mesma clareza. Isso é atitude que promove a vida e a libertação. Só por isso podemos confiar que, ao final, o mal será exterminado (v.23). Essa postura de vida e esse engajamento é que faz a vida valer a pena. A vida em abundância tem o preço da verdade e da justiça. Sem isso, não passa de falácia. Esse é o desafio para nossa vida e para nossa Igreja nos dias de hoje. Os profetas se levantam e por meio deles a voz de Deus pergunta: Quem se levantará a meu favor? Quem estará comigo?

quarta-feira, 6 de maio de 2009

De pastora (!) para ovelha - uma carta 'pastoral'


Querido membro,
Que a graça e a paz de Deus sejam com você!
Como sua pastora, permita-me dirigir-me a você, meio que parafraseando o bispo Paulo Lockmann, em suas ‘cartas à igreja’... Como não estou com essa bola toda para falar ao todo (ichi, ficou engraçado...) falo ao particular. E isso pra mim tem toda a importância do mundo.
Primeiro, quero te agradecer pela insistência com que você me atura, domingo após domingo, nos dias mais e menos inspirados de minha carreira homilética. Isso é muito importante num mundo em que muitos não querem nem ouvir, nem falar coisa alguma, em busca de um significado além do momento. Mas você ouve – e vez por outra, sei que fiz uma pequena diferença, porque você elogia ou olha meio de lado... Mas, pelo menos, nunca me é indiferente.
Em segundo lugar, agradeço por sua capacidade de discordar de mim. Num tempo em que muitos confundem alhos com bugalhos, você não permite que eu me engane. Você não é qualquer um – não reclama por reclamar, nem fala pelas costas. Você me olha nos olhos e me aponta tudo o que não posso ver. Você me lembra que do alto do púlpito algumas coisas podem sair do alcance dos olhos. Você me lembra que é preciso abaixar-se para ver melhor. Sou grata porque, ao fazer isso, você demonstra o quanto me ama, não permitindo jamais que eu caia por não ver direito o caminho. Como é importante outro ponto de vista!
Em terceiro lugar, eu lhe agradeço por ser guardião da minha alma. Você ora por mim insistentemente. Sou feliz por ter dado a você acesso a minha vida. Por comer na sua cozinha não por mera ‘política da boa vizinhança’, mas pela alegria de partilhar uma refeição como quem faz um piquenique no meio da semana, por deixar a visita de ser um puro ato pastoral para ser um encontro de discípulos, como Jesus fez no dia em que foi à casa de Pedro, ou quando visitou Lázaro e suas irmãs, Marta e Maria. Que petulância! Longe de mim comparar-me a Jesus de forma tão ostensiva, serva que eu sou, mas quero aprender com ele a não ser superior por causa da posição que ocupo, haja visto isso ser apenas uma parte de mim e uma que me foi dada, não que alcancei por mim mesma, apesar dos estudos. Se ele não se dignar a honrar-me, perdida estarei!
Sou feliz porque posso contar com você, uma vez que nos tornamos, como disse Jesus, não ovelha e pastora, mas amigos. Se não posso abrir-me mais, o que é uma pena, é porque não quero colocar fardo mais pesado sobre seus ombros. Você é comprometido, fiel nos dízimos e ofertas, integrante de um sem-fim de atividades. Você lê a Bíblia, pratica o que aprende, insiste em progredir... Você me anima e me desperta e frequentemente me lembra que aprecia nossa convivência, às vezes sem nada a dizer. Por sua causa, eu suporto uma série de coisas e posso ser uma ministra melhor.
Assim, meu querido e fiel membro, minha ovelhinha, meu amigo, muito embora haja mercenários, que querem lucrar com você, fique por aqui, no nosso rebanho. Não desista, porque é por pessoas como você que me é possível ir adiante. Tenho os braços muitas vezes cravados de espinhos por ter de resgatar ovelhinhas bem rebeldes, embora dignas de amor. Tenho os pés cansados de buscas que às vezes não trazem resultado algum. Tenho os olhos cansados de chorar por ovelhas que foram embora por não estarem satisfeitas com nossos pastos. Eu sempre me pergunto: ‘Será que foi porque elas não estavam satisfeitas comigo? Ou porque, na verdade, eu não estava satisfeita com elas? E, Deus, nesse meio, está satisfeito com quem, se é possível estar?’
Mas quando cai a noite em nossas almas, sobre nossos corpos, que coisa incrível é! Que milagre divino fechar os olhos e imaginar... Aninhar-me no pêlo macio de uma ovelhinha amada, cujas patinhas me elevam ao céu, murmurando a Deus orações por mim... Sim, meu lugar é aqui, no meio do pasto, entre ovelhas. Eu me acho às vezes tão importante, tão cheia de mim... Mas o pastor supremo, que olha lá de cima, vê o que eu não quero ver – afinal, posso estar à frente do rebanho, posso ter o cajado na mão, mas aos olhos dele sou ovelha também...

(POR FALAR NISSO, EU EXTRAÍ O DESENHO ACIMA DO ENDEREÇO: http://www.altairgermano.com/2009/03/o-pastor-ovelha-pobre-e-ovelha-rica.html?showComment=1236900240000. TEM UMA HISTÓRIA INTERESSANTE SOBRE OVELHAS E PASTORES LÁ...)

O povo do coração aquecido

“O justo viverá pela fé” (Romanos 1:17, Habacuque 2:4, Gálatas 3:11, Hebreus 10.38) Uma experiência de mais de um dia John Wesley era um jov...