Texto bíblico: Neemias 4.1-21
Introdução
O maior exemplo de muro de
proteção da história da humanidade é a muralha da China. Ela começou a ser
construída pelo Imperador Qin durante a Dinastia Qin, para defender seu reino
contra a pilhagem de tribos nômades. Sua construção prosseguiu ao longo de
sucessivas dinastias. O trecho da Muralha que ainda permanece nos dias de hoje
era parte da Rota da Seda, e foi construída durante a Dinastia Ming. Ela se
estende por cerca de 6.350 quilômetros.
Ao longo dos séculos, a Muralha
foi guarnecida por exércitos com o objetivo de alertar ao primeiro sinal de
invasão, e também como primeira linha de defesa. Diferente do que se acredita,
seu propósito não era tanto deter a invasão dos Manchus e das tribos nômades do
norte, mas impedi-los de roubar propriedades e fugir da China.
Depois da formação da Dinastia
Qing, a Muralha já não tinha utilidade, pois o país passou a ser governado
pelos mesmos povos contra os quais ela havia sido construída. Ela então se
tornou uma fonte de materiais de construção para os vilarejos vizinhos,
contribuindo para sua deterioração e destruição. É ainda uma construção tão
imponente e vasta que é possível vê-la da Lua, sem a ajuda de binóculos ou
lunetas.
Durante sua construção, houve
muitos momentos de crises, bem como muitas mortes de trabalhadores por fome,
febre e cansaço. Construir muros é uma tarefa cansativa, porém, na sociedade
antiga, essencial, pois a primeira defesa de uma cidade eram seus muros.
Jerusalém, depois da destruição,
necessitava se reerguer das cinzas e o trabalho conjunto dos reconstrutores foi
fundamental. Entretanto, conforme a obra avançava, apareciam também os perigos
que poderiam impedir sua conclusão. Para reconstruir os muros que preservam a
unidade da Igreja, precisamos estar atentos a esses inimigos. A experiência de
Neemias nos releva alguns perigos também para a comunhão em nossos dias.
Os inimigos externos (Neemias 4.1-5)
A comunhão é um muro, semelhante
ao de Jerusalém, construído em mutirão. No capítulo 3 de Neemias, temos uma
relação de nomes, famílias e grupos que trabalharam lado a lado e também em
continuidade, indo de uma porta a outra, o que nos demonstra o cronograma de
trabalho utilizado por Neemias e seus liderados.
No capítulo 4, versículos de 1 a
5, Sambalate e Tobias, dois dos mais notórios inimigos de Neemias, que eram de
origem gentílica (Neemias 2.19), se levantam e, com seus discursos inflamados,
tentam diminuir a coragem e os ânimos dos reconstrutores.
Seus argumentos, basicamente,
tendem a diminuir a auto-estima dos judeus. Eles usam expressões e idéias como:
fracos judeus, pretensiosos (querem acabar tudo num dia?); sonhadores
(renascerão as pedras das cinzas?); rebeldes (têm permissão para isso?).
Sabemos que quando alguém
constantemente nos deprecia, nossa tendência é o desânimo. Palavras ditas a nós
num momento de desafio podem nos lançar à frente ou nos jogar inteiramente ao
chão. É preciso, porém, para construir os muros da nossa vida como comunidade,
fechar os ouvidos a algumas vozes externas que querem nos depreciar, nos
diminuir, nos acusar e fazer-nos definhar. O mundo zomba de nós; os inimigos
espirituais nos insultam; este sistema de coisas que vemos no dia-a-dia desafia
a nossa fé. É como a história do sapinho. “Era uma vez uma corrida de sapinhos.
A missão de cada um era subir uma grande torre. Do chão, havia uma multidão.
Quando começou a competição, em uníssono, o público gritava: – Não vão
conseguir, não vão conseguir!
Com tanto “estímulo”, os sapinhos
começaram a desistir um a um – exceto um deles que continuava subindo, apesar
da torcida contra. Quanto mais ele subia, mais a multidão gritava:
– Vocês não vão conseguir, vocês
não vão conseguir!
E os sapinhos iam desistindo,
menos um, que subia tranqüilo, sem esforços. Ao final da competição, todos os
sapinhos desistiram, menos aquele. Todos queriam saber o que aconteceu. Quando
foram perguntar ao sapinho como ele conseguiu chegar até o fim, descobriram que
ele era surdo.” A moral desta história, segundo seu autor, que nos é
desconhecido, é a seguinte: “Quando a
gente quer fazer alguma coisa que precise de coragem não deve escutar as
pessoas que falam que não vamos conseguir. Seja surdo aos apelos negativos”.
Assim fez Neemias, levando a Deus
a difamação dos inimigos e adotando uma nova postura junto aos seus liderados,
de modo a minimizar os efeitos daquela fala externa. Mas os perigos à
construção dos muros não vêm apenas dos inimigos externos. Prosseguindo no
texto bíblico, vemos ainda um outro perigo, talvez até mais danoso, que ameaçou
a construção.
Os escombros (v.10)
Este é um detalhe que nos passa
muitas vezes despercebidos ao edificarmos nossa vida espiritual. Os muros devem
ser erguidos, mas os escombros precisam ser retirados. Quando eles são muitos,
especialmente após uma grande destruição, como aconteceu com Jerusalém, o
processo de reconstrução se torna lento. Os escombros são entulhos que
atrapalham a construção. São restos, pedaços que ficam para trás, cinza e pó.
Eles podem abrigar animais peçonhentos como cobras, escorpiões. Ou
transmissores de doenças como ratos, pernilongos. Quem guarda entulho em algum
lugar, depois de um tempo encontrará ali toda espécie de praga doméstica:
formigas, pulgas, percevejos, lacraias, baratas e outros insetos.
A construção dos muros de
Jerusalém exigiu, ao lado do reparo das brechas, a limpeza do terreno. Os
carregadores já estavam desfalecidos por causa da quantidade de escombros, de
entulho, a ser removido. Mas se eles desistissem de sua empreitada, o restante
do trabalho não poderia ser feito. Não há espaço para construir enquanto o
terreno não for devidamente limpo.
Na vida cristã atual, podemos
perceber que os muros da comunhão muitas vezes também são prejudicados por
entulhos: mágoas, ressentimentos guardados, preconceitos interiores, restos de
morte e de dor que guardamos. Isso para nada serve a não ser atrapalhar o
propósito de
Deus em nossas vidas. Depois de
algum tempo, as brechas em nossa unidade prosseguirão e nossa comunhão estará
dilacerada e atacada por iras, discórdias, porfias, contendas, dissensões,
partidarismos. Por muitas vezes, temos visto isso acontecer em nossas famílias,
igrejas locais e também nas esferas diversas da vida em sociedade. Temos visto
isso acontecer entre pessoas que se dizem cristãs e até mesmo no cerne de
conflitos existentes hoje no mundo. Por causa de entulhos guardados, a
construção pára. Para alcançar sucesso nesse empreendimento, é preciso
persistência e autodeterminação. No v.17, vemos que os carregadores não desistiram,
mas “por si mesmos tomavam a carga”, tinham consciência de que era preciso se
desfazer dos escombros. Eles lidaram com o entulho, ao mesmo tempo em que
estavam atentos aos inimigos externos. Só assim a obra prosseguiu de modo
eficiente.
Mas havia ainda um terceiro
inimigo a considerar, que grande dano poderia causar ao projeto de Neemias, e
com o qual ele teve de lidar com muita habilidade e firmeza.
Os inimigos internos (v.12-15)
Num projeto tão vasto como um
muro de proteção, os judeus tiveram de aprender a lidar com o mais perigoso dos
inimigos. Não os problemas técnicos, nem a falta de material, nem os inimigos
exteriores, mas aqueles que, estando inseridos no projeto, também falavam
contra ele e, de dentro, minavam as forças dos trabalhadores. Os v.12-14 falam
que os judeus, por 10 vezes, foram falar dos inimigos e de suas ameaças. E no
capítulo 5, vemos que ainda havia judeus que tentavam tirar vantagem durante o
período duro da servidão.
Muitas vezes, nos projetos de
nossa igreja, nos esforços por unidade e crescimento, nos deparamos com pessoas
que possuem projetos próprios, querendo se dar bem em cima das realidades. Ou
outras que, sem uma experiência profunda com Deus, ficam sempre temerosas,
tendo palavras de desânimo, querendo desistir diante das dificuldades, tendo,
muitas vezes, de ser carregadas pelas outras. Suas posturas podem se tornar um
inimigo a ser vencido. É preciso fortalecê-las na fé a fim de que elas não se
tornem “pedras de tropeço”, mas operosas ajudantes na obra de Deus.
Nesta situação, é preciso que as
pessoas com mais experiência, como Neemias e seus ajudantes, se organizem,
organizem o povo e digam com veemência que é preciso ter fé: “Não temais,
lembrai-vos do Senhor e pelejai pelos vossos irmãos e irmãs”.
Os inimigos internos devem ser
entendidos em termos das idéias, das posturas, e não das pessoas. Neemias não
as desprezou, mas incentivou as demais a lutar por aquelas que estavam muito
enfraquecidas para lutar. Nosso problema é que muitas vezes entramos nesse círculo
vicioso. Há muitos crentes que apenas alimentam a fofoca, a discórdia. Estão
sempre dizendo: É difícil, não vai dar certo!” E, ao invés de convencê-los do
contrário, muitas vezes nós entramos na onda. E esse é o pior de todos os
perigos, pois Jesus disse que um reino dividido contra si mesmo não prospera.
Neemias sabia disso e logo dispôs as pessoas de modo a neutralizar essas falas,
a fazer com que as pessoas aderissem ao seu projeto e passassem também a
acreditar nele.
Conclusão
Construir os muros é um trabalho
de mutirão, como já dissemos. Ninguém consegue fazer sozinho. Os inimigos são
perigosos e não devem ser menosprezados. Os talentos individuais devem ser
valorizados. As tarefas, divididas. Os olhos, atentos à realidade. Ao final do
processo, se dedicamo-nos realmente a ele, vemos o resultado. No capítulo 6,
v.15-16, temos uma descrição feliz do final do projeto: os muros estavam
prontos e os inimigos ficaram envergonhados. A presença de Deus junto ao povo
se evidenciou imensamente.
Ao construir nossos
relacionamentos de comunhão e de unidade, temos de fazê-lo na mesma disposição
do povo de Israel, que venceu seus inimigos internos e externos porque seus
olhos estavam fixos no projeto final. Se eles atentassem demais aos seus
inimigos, teriam desistido e sido derrotados. Mas como seus olhos estavam
dirigidos ao projeto, suas vidas estavam investidas nisso, dormiam e acordavam
pensando nesse propósito, tudo foi bem-sucedido.
Que possamos aplicar essas lições
a nossa vida hoje: 1) Não dar ouvidos às vozes externas que querem nos
desanimar. 2) Limpar os entulhos e escombros dos sentimentos mal-resolvidos
para evitar que as pragas e animais peçonhentos afetem nossa tarefa de
construir. 3) Agregar aqueles que, dentre nós, querem desanimar ou se sentem enfraquecidos,
sustentando-os e trazendo-os para dentro da visão do grupo. Essas três posturas
de Neemias garantiram sua vitória no projeto de construção. Elas garantirão
nossa vitória também quando se trata dos projetos da vida da igreja.