segunda-feira, 5 de maio de 2014

Não te faças nenhum mal! - A dimensão do cuidado na vida cristã


Atos 16.27-34

"E busquei dentre eles um homem que estivesse tapando o muro, e estivesse na brecha perante mim por esta terra, para que eu não a destruísse; porém, a ninguém achei". (Ezequiel 22.30)

Vivemos em um tempo de constantes adoecimentos tanto físicos quanto emocionais que geram grande perturbação na vida das pessoas. Problemas financeiros, econômicos, espirituais e sociais afetam o corpo e a mente, levando às vezes, ao desespero que pode acarretar situações extremas, como a perda da própria vida. Segundo a Revista Isto é, “estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS) sinalizam que haverá mais de 1,5 milhão de vidas perdidas por esse motivo em 2020, representando 2,4% de todas as mortes. A OMS também registrou que permanece a tendência de crescimento das mortes entre os jovens, especialmente nos países em desenvolvimento”. Além disso, existe o que podemos chamar de suicídios indiretos, que são os malefícios que fazemos a nós mesmos, com o fim de mudar algo em nós ou ao nosso redor, mas que na verdade acabam ocasionando mais dificuldades. Por exemplo, cirurgias plásticas e exercícios em excesso, dependência de drogas, cigarro e álcool, sexualidades distorcidas e fobias as mais diversas.

O Evangelho de Cristo nos é apresentado na Bíblia como um remédio para o todo da existência. É interessante que nem sempre ele muda as circunstâncias, mas altera de forma profunda nossa forma de agir diante delas. Veja como Jesus é radical: "Ouviste o que foi dito: olho por olho e dente por dente. Eu, porém, digo-vos: Não oponhais resistência ao mau. Mas, se alguém te bater na face direita, oferece-lhe também a outra. Se alguém quiser debater-se contigo para te tirar a túnica, dá-lhe também a capa. E se alguém te obrigar a acompanhá-lo durante uma milha, caminha com ele duas. Dá a quem te pede e não voltes as costas a quem te pedir emprestado." (Mateus 5.8-42). Sim, não podemos impor ao outro que aceite nossas condições nesta existência, mas podemos quebrar o ciclo se apenas não agirmos como ele.

No caminho do discipulado, vemos este exemplo concreto na vida de Paulo e Silas. O carcereiro poderia afirmar: É apenas o meu trabalho, mas a verdade é que ele era parte do sistema, parte do problema e não da solução. Ele nada tinha feito para ajudar a Paulo e Silas. Mas quando aconteceu o terremoto, ele se viu diante do inusitado de ter de responder aos seus superiores. Sem condições para isso, ele preferiu, antes mesmo de verificar o que tinha acontecido, tirar sua própria vida. Mas a ação de Paulo nos ensina muito neste pequeno relato:

  1. Paulo bradou em alta voz
    Paulo demonstrou autêntico cuidado para com o carcereiro, na base do ensino de Cristo. Ele viu a gravidade da situação e não apenas falou mansamente, mas gritou, bradou... Essas palavras na Bíblia têm um sentido muitas vezes profético. Tem a ver com ressoar a mensagem até que seja ouvida. Às vezes, no caminho do discipulado, lidamos com pessoas que trazem dores tão profundas de alma que é preciso insistir com elas um pouco mais até que rompam seus hábitos de morte ou pecado e possam ouvir a mensagem libertadora do Evangelho. Essa insistência é como um brado que perpassa nossas conversas, orações, clamores e até silêncios (e quantos silêncios!) até que a pessoa esteja pronta para ouvir. Nesse caminho, não poucos açoites e incompreensões virão sobre nós. Temos de estar preparados para sofrer por causa daquilo que cremos, porque a recompensa do nosso trabalho é ver chegar o momento em que a pessoa “pedirá uma luz”, como aconteceu com o carcereiro!
     
  2. Não te faças nenhum mal!
    Não se trata daquelas conversas superficiais sobre autoajuda. Não somos esses seres maravilhosos, superpoderosos, cheios de qualidades. Somos pecadores. Se deixados à margem de nossas próprias vontades, nos tornaremos violentos, desprezíveis, soberbos. Se assim não fosse, há muito a idade da razão teria feito deste mundo um reduto de paz... Porém, temos valor. Estamos estragados e quebrados, mas uma vez que a obra da graça se inicia em nós, podemos perceber a diferença! Nosso valor ressurge, somos tornados, de glória em glória (2Co 3.18)., à imagem de Deus, como Ele nos criou (Gn 1-3). Somos capazes de refletir a glória de Deus num mundo de sombras e escuridão. E por tudo isso, não podemos fazer mal a nós mesmos! E devemos dizer às pessoas que por mais que estejamos danificados pelos dramas e problemas desta vida, Deus nos insta a não fazer mal a nós mesmos, mas a sermos restaurados! Veja exemplos disso em Jeremias 18, Ezequiel 37, Jeremias 29, o livro inteiro de Oseias; os evangelhos e cartas que falam de transformação o tempo todo!  E Ele nos chama, no caminho do discipulado, a declarar isso aos outros. Quantas vezes vemos as pessoas caminhando para a autodestruição e não temos a coragem de bradar-lhes que não façam isso, por causa de alguma convenção social, pelo medo de sermos rejeitados ou até por falta de fé? Não deveria nos aterrorizar que nossos parentes, amigos e amores possam hoje mesmo estar face à morte sem expectativa de salvação eterna? E também não nos comove que tantas vidas estejam à mercê das estruturas de morte, sem que declaremos a elas que existe escape a esse viver desolado e a este destino tenebroso? Paulo estava ferido, cansado, dolorido, mas ele estava pronto a deixar seus próprios problemas de lado para impelir alguém a sair de uma situação desesperadora. Nossa religião tem sido um self-service espiritual ao invés de ser um centro de alimentação para os famintos. Que  transformação podemos esperar quando a igreja é melindrosa e cheia de não-me-toques e chiliques e o mundo perece por falta de conhecimento de Deus?
  3. O carcereiro pediu uma luz e perguntou: O que posso fazer para ser salvo?
    Quanto simbolismo nesse trechinho e o carcereiro nem se deu conta. As prisões eram lugares escuros, algumas eram verdadeiros buracos no chão.  Ele pediu uma lamparina, uma luz mesmo. Ele precisava iluminar a prisão e fazer um diagnóstico da situação por si mesmo. Ele precisava recuperar o controle. Quando entramos em desespero nesta vida, tendemos a tomar decisões precipitadas sem nos darmos conta do real problema. Pedir uma luz foi algo concreto, mas também espiritual. É o sentido do texto bíblico: “Sonda-me, ó Deus” – é mostrar o que pode estar oculto. Já fiz muita coisa errada sem perceber isso. Alguém veio e me deu uma luz. Foi ruim e desconfortável. Ninguém gosta de ser confrontado; ou colocado face a uma verdade. Mas é o caminho da cura – acontece na terapia do psicólogo, acontece no dia-a-dia da gente e não seria diferente em nossa fé. E quando ele pergunta sobre ser salvo, ele ainda não tem a dimensão do quanto precisa ser salvo. Ele quer se livrar do problema de ter uma prisão toda aberta e os chefes querendo seu pescoço. Muita gente vem a Cristo querendo se livrar de um problema imediato. Essas pessoas precisam ser atendidas em sua urgência, mas desafiadas a ver que o buraco de sua perdição está bem mais embaixo... é o todo da vida e a vida toda. A resposta de Paulo foi, certamente, maior do que ele poderia entender naquele momento, mas era a verdade de que ele realmente necessitava.
     

Conclusão: O texto de Ezequiel diz que a cidade foi destruída porque não houve intercessor. Ninguém que quisesse ficar no buraco aberto na muralha, que fosse corajoso o suficiente para;  fazer de seu corpo um escudo contra o ataque inimigo. Paulo, neste texto, fez isso duas vezes – pela moça endemonhiada e pelo carcereiro desesperado. Temos de clamar ao mundo hoje: “Não te faças nenhum mal – há solução para o seu problema. Veja a vida pelo ângulo de Cristo”. Mas isso certamente custará a nós o preço da auto-humilhação, da autoentrega. Custou a Cristo. Ele disse que não seria diferente conosco. Mas fazer isso significará que mais gente estará salva, que o dano será menor porque nos dispusemos a bradar, orar, clamar, orientar e buscar. Você e eu recebemos este chamado. Não impeçamos as pessoas de vir a Cristo. Sejamos portas abertas, não fechaduras emperradas! Sirvamos, não queiramos ser servidos! Amemos e não fiquemos esperando que nos adulem. Os açoites doeram em Paulo, mas por causa deles o Evangelho entrou em Filipos! É tempo de maturidade. É tempo de evangelismo cuidador e integral. É tempo de amar.

 

O povo do coração aquecido

“O justo viverá pela fé” (Romanos 1:17, Habacuque 2:4, Gálatas 3:11, Hebreus 10.38) Uma experiência de mais de um dia John Wesley era um jov...