sexta-feira, 13 de junho de 2008

Obrigada por me ouvir (Salmo 32)

Enquanto me preparava para escrever esta coluna, deparei-me com um texto de Rubem Amorese, intitulado “Obrigado por me ouvir”, o qual, com os devidos créditos, evidentemente, “plagio” – por achar que tem tudo a ver com o que abordaremos aqui a respeito do Salmo 32.
Amorese, escrevendo na edição de janeiro/fevereiro de 2008 da Revista Ultimato, aborda a realidade pastoral daquelas pessoas que querem ser ouvidas pelo seu ministro religioso. Ele destaca sua carência, sua necessidade de falar, sua ânsia em serem ouvidas por alguém. Entretanto, Amorese estabelece uma diferença entre falar e dizer, entre falar e ouvir e entre falar e obedecer que me pareceu, de fato, relevante e fundamental.
Ele menciona que muita gente quer ser ouvida, mas não sabe e até não quer ouvir. Quando são confrontadas por seus ouvintes a atender a um conselho, a mudar de vida e, pelo Senhor Deus, a assumir a fé, a assumir Jesus como Salvador, então agradecem: “Obrigado por me ouvir... mas não quero mudar!”

Calar e adoecer
O salmista nos fala do adoecimento que lhe causou o fato de ter silenciado a respeito de seu pecado (v.3). O que ele descreve seria aquilo que hoje a Psicologia chama de “doença psicossomática” – quando algo em nossas emoções repercute negativamente sobre nosso corpo. Alguém que seja, por exemplo, muito nervoso e estressado e, por causa disso, desenvolve uma gastrite. No seu caso, ele não nos descreve abertamente seus pecados, nem apresenta um diagnóstico de sua enfermidade. Mas nos conta que sentia os “ossos envelhecidos”, perda do vigor e que constantemente estava gemendo – seria por sentir alguma dor física? Não sabemos. Mas o pecado guardado tem mesmo a capacidade de nos adoecer: seja pelo sentimento de culpa, que definha a alma, seja pelo mal mesmo que, residindo em nós, rouba a alegria da vida, a leveza do sono e a tranqüilidade dos dias.
Calar a respeito das coisas que nos fazem mal é um adoecimento que pode se tornar mortal. Lembro-me da experiência de Elias enquanto caminha até o Monte Horebe, em 1 Reis 19. Durante todo o percurso, ele vai calado. Dentro da caverna, permanece calado. Durante os episódios sobrenaturais do tempo lá fora, ele permanece calado. Mas quando fala, chora e reclama diante de Deus por causa dos sentimentos que trazia no coração, encontra a cura, a resposta divina e o caminho saudável de volta para casa.
Existe muita gente que se cala hoje. Que esconde o pecado e vive uma vida dupla, secreta, dividida. E a pessoa dividida contra si mesma jamais encontra a plenitude da alegria e da felicidade. Só existe completude, plenitude, quando somos por inteiro. Compartimentados na espiritualidade que só existe no culto e nas reuniões da igreja, na qual temos a aparência exterior da santidade, vivemos a hipocrisia que Deus tanto rejeita e aumentamos a separação entre nós e o Senhor. Por isso, a confissão dos pecados não tem caráter apenas de nos aliviar dos sentimentos negativos, mas o poder, vindo do Espírito Santo de Deus, de nos transformar, nos santificar e aperfeiçoar em nós a imagem e a semelhança de Cristo.

Falar e sarar
O salmista faz isso: confessa seu pecado e apresenta abertamente sua iniqüidade (v.5a). Ele descreve sua confissão no ato de dizer: “Eu disse: Confessarei...” (v.5b).
É maravilhosa a capacidade de dizer a Deus o que está em nossa alma. Capacidade que canalizamos na oração, com a certeza de outro salmo, que diz: “Bendito seja Deus, que não me rejeita a oração”. Deus nos ouve de ouvido aberto e atento. Não é o ouvir de “entrar por um ouvido e sair pelo outro”. O Salmo 40 retrata a experiência do seu escritor nestes termos: “Ele se inclinou para mim e me ouviu”. O ato de inclinar-se para alguém enquanto o ouve quer dizer que o ser inteiro – e não só as orelhas – estão voltadas em direção ao que fala. Ouvir por inteiro – não apenas escutar as palavras que são ditas, mas permitir que elas penetrem no coração e na mente, provocando reações, respostas, ação. É assim que Deus nos ouve e assim que nos convida a ouvir a Ele e uns aos outros.
Por isso, o ouvir de Deus produz a cura, a restauração. Produz encontro, partilha, pois o salmista segue afirmando: “Assim todo homem piedoso te fará súplicas, em tempo de poder encontrar-te” (v.6). E mais: aquele que antes encontrava na “sequidão do estio” (v.4), sente-se revigorado, cercado por “alegres cantos de livramento” (v.7). Ele não é capaz de apenas falar, expressar-se, mas pode ir além, expressando sua liberdade, sua “alma leve”, seus “pés nas nuvens” por meio da canção!

Saber falar, saber ouvir
Aqui, volto à reflexão de Rubem Amorese, pois a clareza do salmo é impressionante! Temos uma fala no v.8-9 que se assemelha a um oráculo, isto é, a uma fala de Deus: “Eu te instruirei e te ensinarei o caminho que deves seguir... te darei conselho” – esta primeira parte é uma afirmação do Senhor de que seu ouvir tem uma característica ativa. Uma postura será exigida daquele ou daquela que ora ao Senhor. Se você quer ser ouvido ou ouvida, também terá que ouvir. Seus pecados confessados e sua sensação de paz e alívio têm uma exigência em contrapartida: a mudança de vida! Deus nos chama a mudar de nível – de meros ouvintes a ativos praticantes de sua palavra (confira na Epístola de Tiago!).
Muita gente quer a bênção, o alívio dos problemas, o desaparecimento da doença ou a superação da dificuldade – para continuar seguindo exatamente no mesmo curso de colisão traçado pelo pecado. Deus ouve, pela sua misericórdia – mas não espere que ele concorde ou seja condescendente com isso. Deus quer o melhor para nós e não se contentará com menos do que isso! Daí seu apelo urgente: “Não sejas como o cavalo ou a mula, sem entendimento, os quais com freios e cabrestos são dominados, doutra sorte não te obedecem” (v.9). Eu sei que existem pessoas para as quais a religião tem que ser dura, opressora e cheia de regras. Sei que existem igrejas que se estruturam assim. Só que viver desse jeito não é ouvir a Deus e logo trará ressentimentos para com a fé e com o próprio Senhor, ou gerará enfermidades espirituais ainda mais profundas, neuroses e crises existenciais seríssimas!
Deus não quer animais puxados por freios. Deus não quer obediência sem discernimento, legalismo sem amor, regras sem propósitos de vida. Deus quer amigos que o obedeçam amorosamente (João 15.15). Deus quer servos com quem partilhar seus segredos (Amós 3.7). Deus quer pessoas que o temam reverentemente para com elas dividir sua intimidade, seu conselho (Salmo 25.14). Deus quer aqueles e aquelas que tenham prazer em sentar-se a seus pés e ouvir suas palavras, ainda que tenham de deixar a casa bagunçada e algumas coisas por fazer... (Lucas 10.42)
Deus pára tudo e se inclina para nos ouvir... Somos capazes de fazer o mesmo por ele?

O povo do coração aquecido

“O justo viverá pela fé” (Romanos 1:17, Habacuque 2:4, Gálatas 3:11, Hebreus 10.38) Uma experiência de mais de um dia John Wesley era um jov...