Durante muitos dias eu fiquei com este versículo na cabeça.
Parece fácil compreendê-lo quando o lemos na boca de Jesus, numa aplicação
prática do texto no exato momento em que está se preparando para a prisão e a
morte. Mas quando voltamos a Zacarias, onde a referência aparece pela primeira
vez, parece que dá um nó na cabeça e um aperto no coração da gente: “Levanta-te,
ó espada, contra o meu pastor; contra o meu amigo e cooperador!”, declara
Yahweh dos Exércitos. “Fere o pastor, e as ovelhas ficarão dispersas; mas voltarei
a minha mão aos pequenos” (Zacarias 13.7). O texto está falando de uma
purificação futura. Zacarias vivencia o momento da consagração do novo templo e
das reformas de Esdras, juntamente com Ageu. Talvez o texto seja uma denúncia
de falsos líderes religiosos que agora são desmascarados, frente ao novo
momento do povo e das promessas de restauração. Os comentários bíblicos não são
concordantes quanto ao assunto. Mas isso segue me incomodando... a figura do
pastor ferido... o que isso pode significar? Acho que sempre penso um pouco
nisso em tempos em que pessoas deixam o ministério, em que pastores e pastoras
abandonam sua vocação ou chegam ao extremo de tirar suas próprias vidas ou
quando vejo as ovelhas dispersas, sofrendo pela falta de cuidado e amor de suas
pretensas lideranças espirituais. O tema é muito complexo.
Comecei a pensar na minha vida e nos momentos em que
senti-me ferida por diversas razões. Talvez unindo meus sentimentos e as
leituras dos textos, possamos trazer uns pensamentos novos sobre nossa vida e
ministério. Acho que posso falar em pelo menos três tipos de feridas: as
feridas autoinfligidas, as feridas do exercício ministerial e as feridas por
acidente. Acho melhor sempre começar por Jesus, porque Ele é o principal ponto
em toda discussão cristã, certo?
As feridas do
exercício ministerial: Jesus estava falando aos seus discípulos que sua
consciência de trajetória lhe apontava o final iminente de seu ministério
terreno. Nesta aplicação do texto de Isaías, ele estava alertando seus
discípulos sobre este tempo de aparente abandono. Ele estaria morto e sem sua
liderança o grupo se dispersaria. Foi mesmo o que ocorreu. Depois da
ressurreição, Jesus precisa ir outra vez arrebanhá-los, assegurar o chamado e a
vinda do Espírito Santo. Nesta jornada, o pastor ou pastora precisa desenvolver
sua maturidade e entender o lugar dessas feridas na sua relação com a igreja.
Outro dia, vi um atleta dando entrevistas na televisão. Eu estranhei as orelhas
dele, muito grossas. Comentando sobre isso com meu marido, ele me falou que
aquele homem havia sido lutador de MMA por muito tempo e que nesse tipo de
esportes, a pessoa dá “calos” nas orelhas, por causa dos movimentos da luta que
esfregam a cabeça no tatame. Fica feio, mas é inerente ao processo! Assim como bailarinas
ficam com pés calejados, homens e mulheres da roça engrossam as mãos,
motoristas herdam dor nas costas, o pastor ou a pastora vai trazer as marcas do
seu ministério, nem sempre visíveis no corpo. Saber disso pode nos ajudar a
tomar posturas profiláticas. Jesus tomou. Ele ia sozinho ao monte orar, ele
pedia para que os discípulos intercedessem por ele na hora mais traumática, ele
saía do meio da multidão para meditar sozinho. Eram instantes em que ele se
permitia ser livre na presença de Deus, usufruir da intimidade do Senhor para
curar seu interior sobrecarregado pelo peso de ver as ovelhas perdidas sem
pastor e dispor-se ao trato delas. Haverá noites de insônia, haverá crises de
ansiedade, haverá momentos de dúvida, haverá conflitos a solucionar. Mas as
feridas ministeriais, assim como os calos nas orelhas do lutador ou nas mãos do
homem da roça tornam o ministério mais sólido, mais firme, com mais vitórias
contadas e mais experiência adquirida. Isso aconteceu com Jesus. Sabendo que
seria um momento difícil, ele avisou seus discípulos e logo a seguir,
ressuscitado, ele tinha os meios para chamá-los de volta. Não se ressinta das
dificuldades ministeriais, nem as oculte. Reconheça-as e se mova para que elas
possam se tornar calos e não feridas que não se curam.
As feridas por
acidente: Haverá coisas no ministério pastoral que são inesperadas. Uma
pessoa que não combina com nossas ideias. Um amigo que de repente se revolta
contra nós e nos deixa. Uma palavra ofensiva dada por alguém num momento de
ira. A falta de resposta a uma convocação para um desafio à igreja. São feridas
por acidente. Normalmente, quando eu corto a mão fazendo comida, a tendência é
jogar a faca longe. Não estava esperando por aquele corte. Foi súbito e
assustador. Mas eu já aprendi que isso pode acontecer, então, depois de uma
lavadinha pra ver o tamanho do problema, talvez uma chupadinha vampiresca no
dedo cortado, uma reclamação básica (que ninguém é de ferro), o jeito é pegar a
faca de novo e acabar de preparar o prato, porque a fome não tarda. No
ministério não é diferente. Sempre estamos prontos e prontas a achar que a
pessoa que discorda de nós é rebelde e deve ser afastada. No entanto, os
discordantes podem ser pessoas a nos trazer pontos de vista novos sobre coisas
que sempre resolvemos daquele jeito. Elas nos ensinam sobre humildade e
aprendizado. Elas podem querer apenas partilhar seus pontos de vista, como você
tem os seus. É claro que existem pessoas más. E corremos o risco de estar entre
elas! Sempre pressupomos que os outros e outras são os errados. Será? As
feridas por acidente nos lembram nossa humanidade. Elas nos despertam ao
autocuidado. A não seguir adiante sem lavar o ferimento, perceber sua extensão
e ver se ele precisa de um tempo maior de terapia. Cuide de seu coração sobre
as pessoas que lhe magoaram. Não siga adiante sem a coragem de entender
exatamente o que as levou a isso. Considere que as outras pessoas também sofrem
acidentes e carregam feridas e que talvez você só tenha topado com elas e elas
sentem a dor! Do mesmo jeito, se isso acontecer com você, reconheça e retorne.
Quando um pastor ou pastora está ferido, seu rebanho se dispersa, se distrai,
não sabe o que fazer. Se você compartilha a ferida, ele se acalma e aguarda até
que você esteja pronto. Se você oculta as feridas, ele se ressente e poderá ser
perdido para sempre.
As feridas
autoinflingidas: Acredito que, de todas as feridas, essas sejam as piores.
Feridas autoinflingidas significam que um problema grave está acontecendo no
seu interior. Conheci uma jovem que arrancava e comia os próprios cabelos. Ela
precisou de uma cirurgia para retirar os cabelos do estômago. Aquela atitude
era resultado de uma dor profunda, de um sentimento de rejeição. Não adiantava
mesmo cuidar do exterior sem tratar a alma. Só assim o problema pode ser
superado. Mas até que isso acontecesse, muita tristeza, dor e incompreensão. A
pior doença autoinflingida de um pastor ou pastora podem ser seus pecados
ocultos. É uma autossabotagem ministerial. Você se esforça, trabalha, quer
mostrar que faz muita coisa, mas não tem coragem de delegar, de enviar, de
viver em profundidade com seus líderes, porque eles podem descobrir... esse
receio consome sua alma. Esses pecados não precisam ser coisas escandalosas. Às
vezes o medo de assumir uma incompetência ou dificuldade numa área. Às vezes, o
sentimento de orgulho e desejo por controle. Às vezes, dúvidas espirituais que
você não trata. Mas as feridas autoinflingidas são perigosas porque começam por
acaso e se tornam verdadeiras doenças. A pessoa que rói as unhas não deseja
fazê-lo. Mas faz, até que os dedos sangrem e uma infecção ache entrada no
organismo... o pecado não é diferente.
Eu acredito que o pastor de Zacarias estava sofrendo desse
último tipo de ferida. A ferida que resulta do pecado. Ela dispersa as ovelhas
de um modo que pode se tornar impossível reuni-las novamente. É triste que Deus
diga em Zacarias que este é “meu pastor, meu colaborador”. Deus não estava
falando de pessoas assumidamente fraudulentas, falsas, mas de alguém que havia
começado com ele e agora estava se afastando do chamado inicial. Ou seja,
pessoas como eu e você. Gente normal, com chamados normais, de repente
envolvida pela podridão de uma ferida que não sara. Uma ferida que começou por
algo que não devia estar na nossa vida e que nós mesmos trouxemos para nós.
Analise hoje mesmo sua vida. Trate cada uma das feridas com o tratamento
adequado. Algumas podem ser evitadas. Outras precisam ser enfrentadas. Para
outras ainda, é preciso chamar uma equipe de enfermagem amiga, ouvinte, atenta
e discipuladora. Para algumas, é preciso dar o tempo certo da cura.
De qualquer modo, precisamos nos cuidar. As
ovelhas precisam de um pastorado firme, motivador, humano, incentivador. As
ovelhas merecem bons pastores e pastoras. Na verdade, precisam. Jesus foi o bom
pastor e ele é nosso modelo por excelência. Se ele precisou de tempo para si,
quanto mais nós! Se ele teve dúvidas, clamou ao Pai para passar o cálice, pediu
por força na jornada e chamou amigos para perto, por que não nós?
Muito impactante é realista! Obrigado!
ResponderExcluirCerta vez ouvi a seguinte afirmação: "A instituição é impessoal". Existem as feridas ocasionadas pela instituição. Acredito que o Reino de Deus é o fim e não a instituição...portanto muitos pastores e pastoras bem como seus familiares precisam de cura.
ResponderExcluirMuito apropriado e bem vindo esse texto no contexto em que vivemos. Obrigada
ResponderExcluirPor mais que um CNPJ e a CONSTRUÇÃO ARQUITETÔNICA da Instituição a defina, por si só ela não fala e não se defende - No entanto, Líderes humanos (seres emocionais) foram ungidos, escolhidos e ou, nomeados...para de fato representá-la e conduzi-la. A base dessa condução está na presença do seu verdadeiro dono, o seu instituidor a saber JESUS CRISTO O SENHOR. Quais seriam as normativas desse Senhor maravilhoso?
ExcluirFerir uma ovelha e deixá-la morrer ferida?
-Não é isso que Palavra nos diz!
Apenas uma reflexão em tempos tão difíceis pra alguns viverem verdadeiramente o evangelho e a Doutrina de Jesus :
"Vós sois o sal da terra..." (Mt 5:13)
"Vós sois a luz do mundo..."(Mt 5 14)
"....se alguém te bater numa face, ofereça a outra..." "
"a importância de caminhar a segunda milha..."
"amar o inimigo..."
"orar por quem nos persegue"
"perdoar quem nos tem ofendido..."
Teríamos muitos outros temas doutrinários...
mas vamos para por aqui, deixando só mais um: -"para que todos sejam um, Pai, como tu estás em mim e eu em ti. Que eles também estejam em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste. (Jo 17:21-23)
Palavras firmes com uma tese da realidade em que se encontra muitos pastores e pastoras .
ResponderExcluirReflexao forte poderosa e. Me trouxe muito esclarecimento sobre coisas que estao acontecendo na igreja onde congrego que continue lhe abencoando
ResponderExcluirÉ madrugada e essa passagem Bíblica me vem a mente, sem saber o motivo certo resolvo pedir ajuda e encontro essa formidável meditação. Me ajudou reforçando que devemos compartilhar nosso ministério: desafios, dores, projetos, alegrias e sonhos. É nesse modelo que o Espírito Santo a de reunir as ovelhas perdidas de nosso Pai.
ResponderExcluiressa é também a minha história no meu ministério,nesse momento fui ferido e estou buscando no Senhor e junto com seu rebando nos levantar´por causa da morte de minha esposa e co-pastora da igreja, mas o Espirito santo jamais abandona aqueles que se humilham de baixo das potentes mãos de Deus.
ResponderExcluirMeus sentimentos Pastor, imagino o quanto isso é doloroso, sou Pastor e tenho uma esposa presente no meu ministério, sinto me fortalecido por ela. Que Deus te ajude neste tempo difícil, te dando força para cumprir seu chamado. Forte abraço. Pr. Thiago
ExcluirSinto muito, pastor! Por algum motivo não vi seu comentário. Como podemos ajudar?
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