quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Os quatro pilares de uma igreja saudável (Atos 2.42)

Eles perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações. (Atos 2.42)
O texto de Atos dos Apóstolos contempla, nos seus primeiros capítulos, uma visão geral dos primórdios da igreja em Jerusalém. Com o jeito jornalístico de Lucas, ele relata algumas coisas em detalhes e outras trabalha como resumos, como quando, no seu evangelho, nos conta que Jesus curou muitas pessoas, expulsou muitos demônios, ensinou muitas coisas e ia por toda a parte fazendo o bem. Desta forma, ele ressalta a prática geral e destaca algumas particularidades que mais de perto queria ensinar aos que o lessem.
Em Atos 2, os detalhes versam sobre a descida do Espírito Santo, o subsequente discurso de Pedro e o batismo dos três mil. A partir daí, temos uma panorâmica de uma igreja que cuidava dos vários aspectos da vida de seus integrantes, culminando com o verso 47, acerca do crescimento do movimento.
No verso 42, temos os pilares sobre os quais se construiu a vivência eclesial nascente. Nele, estão princípios que norteiam uma igreja saudável. Começamos pela perspectiva da perseverança. A construção de uma identidade de grupo ou a consolidação de uma mudança de vida pela conversão não são coisas de uma hora ou duas, de um encontro de fim de semana ou de cursos rápidos de primeiros passos. Trata-se de novos hábitos espirituais que precisam de tempo e de intencionalidade. A perseverança nesses quatro pilares garantiu à igreja de Jerusalém crescimento numérico, simpatia do povo, confirmação das promessas divinas e relevância social, entre outros aspectos de sua bem-sucedida existência.

Na doutrina dos apóstolos
A doutrina tem a ver com o correto crer, entender e explicar a fé. O conjunto dos ensinos que fomenta a identidade daquele povo, como a encarnação de Cristo, sua ação salvadora, o batismo com água, a unção do Espírito Santo, a criação do mundo por Deus são pilares doutrinários. A doutrina requer conhecimento, estudo e tem a ver com a aceitação intelectual do que está sendo ensinado. Por isso, os apóstolos “ensinam” a doutrina. O ensino, uma vez apreendido, gerará novas formas de crer e de atuar no mundo de modo pleno. Para nossos dias e as formas de ser igreja que algumas vezes encontramos, a doutrina tem se tornado um impedimento à adesão das pessoas. Se a doutrina contraria sua forma normal de conduzir a vida ou se exige dela uma nova forma de pensar, a pessoa tem resistência. 
Muitas coisas que ocorrem no meio evangélico hoje são derivados do fato de que a doutrina não é bem conhecida, nem bem definida. Para a igreja primitiva, isso precisava ser logo resolvido. Um exemplo foi o Credo Apostólico, com suas frases objetivas sobre os princípios de fé da Igreja Primitiva. Ele era usado em forma interrogativa para que os novos membros respondessem antes de serem recebidos. É por isso que não se pode experimentar o conteúdo da doutrina de modo emocional, sob comoção ou apelos psicológicos. A doutrina requer sentar-se, estudar, refletir. É uma parte fundante e não por acaso ela vem em primeiro lugar na lista dos itens a se perseverar em Atos 2.
Então, em termos de doutrina, recebemos uma convocação profunda: Queremos doutrina ou queremos emoção? Queremos crer ou queremos sentir? Porque uma igreja cujas emoções a conduzem nos aspectos mais essenciais de sua fé, que a todo tempo passa por revisões ou atualizações doutrinárias conforme o gosto desta ou daquela geração corre o risco de perder sua identidade ao longo dos anos. Não que não possa atualizar sua linguagem ou sua forma de expressar sua fé, pois o estudo leva inevitavelmente a melhores elaborações daquilo que cremos. Mas isso como resultado de reflexão teológica e eclesiológica, não como modismos para fazer o que é politicamente correto, que ofenda menos às pessoas ou que promova as manifestações extáticas ou sensitivas que ocorrem no momento mas que não levam à consolidação de sua conversão.

Na comunhão
A contrapartida da doutrina é a comunhão. É no relacionamento amoroso com outras pessoas que evitaremos o risco do legalismo e do farisaísmo, que é uma doutrina descolada ou deslocada da vida. A doutrina, em sua vertente prática, encontra na comunhão suas formas de transmissão e de crescimento mútuo. É a comunhão que permite que a doutrina exerça seu papel santificador na vida do cristão e da cristã, pois, como um aspecto do discipulado, a comunhão permite o apoio, a correção, o suporte, a orientação e o incentivo ao avanço de cada membro do corpo de Cristo.
Perseverar na comunhão num ambiente tão variado e cheio de influências como era o mundo de Jerusalém era uma questão fundamental. Caso contrário, os muitos pensamentos, culturas e formas de ver a vida poderiam desviar a igreja de sua missão, levando as pessoas ao afastamento e ao isolamento. Sempre menciono que existem pessoas na vida com as quais já briguei muito para continuar sendo amiga. Para mim, isso significa perseverar na comunhão: entender e superar as diferenças para acolher e afinar as semelhanças, no amor de Cristo.
É na comunhão, que ocorre também no culto, que temos a oportunidade de exercer nossas emoções de modo saudável, nos termos de Romanos 12 e de 1 Coríntios 12, para que todas as pessoas possam ser abençoadas. O equilíbrio entre doutrina e comunhão garante maturidade na fé.

Nas orações
As orações incluem todas as formas de espiritualidade e piedade da igreja primitiva. Eram os cultos, as reuniões no templo, a vida devocional pessoal e familiar. Perseverar nas orações significa reconhecer e buscar o sobrenatural de Deus para a vida e a obra da comunidade. Realizar as coisas apenas na capacidade humana certamente nos trará muitos resultados bons, pois as pessoas são cheias de talentos, capacidades, têm interesse em fazer o bem e querem contribuir. Mas a transformação vital vem do poder sobrenatural de Deus, o qual só pode ser acessado e experimentado por nós numa espiritualidade saudável. Não podemos abrir mão das orações, da meditação, da leitura bíblica, do jejum e outras práticas que possam nos conduzir a uma maior sensibilidade ao Espírito Santo. Essas práticas variam de pessoa para pessoa e até de cultura para cultura, mas estão presentes em todos os povos e devem ser desenvolvidas pelos cristãos e cristãs em toda parte.

No partir do pão
A contrapartida da espiritualidade é a solidariedade, expressa no partir do pão. Essa expressão aparece em diversos textos do mundo do Novo Testamento e tanto significa a ceia do Senhor como, em alguns casos, fala da distribuição de alimentos aos mais pobres e do cuidado para com a saúde e o bem-estar das viúvas e dos órfãos. A igreja tem um papel preponderante na questão do cuidado com o ser humano. A Igreja Metodista em particular tem uma história de levar as pessoas a estudar, a trabalhar, a resgatar suas famílias, a libertar-se dos vícios, a qualificar-se para o mercado de trabalho, a desenvolver higiene e autocuidado... as crianças recebiam orientação educacional diversificada, eram acolhidas e cuidadas... No livro “A reunião de classe”, Henderson conta que nenhuma casa era tão limpa e nenhuma criança era mais bem-cuidada do que aquelas dos metodistas! Até nos aspectos básicos esses cuidados revelavam que a fé repercute no cuidado para com quem precisa. O equilíbrio entre orações e partir do pão garante maturidade missionária.

Por causa desses pontos nos quais a igreja perseverava, ela conseguia um equilíbrio saudável para crescer. Creio que o próprio John Wesley também vislumbrou no “quadrilátero wesleyano” esses aspectos basilares para um avanço saudável na fé. Somos desafiados e desafiadas hoje a desenvolver formas pelas quais possamos seguir neste quadrilátero apostólico – doutrina, comunhão, partir do pão e orações – em nossas vivências, de modo a apontar uma igreja que seja uma, para que o mundo creia.

3 comentários:

  1. Muito boa a reflexão! Boa, verdadeira e transformadora! Obrigada pela partilha. Grande beijo

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  2. Essa é a mais pura verdade, sem distorce a palavra de Deus, hoje as igrejas maioria já não vive está verdade

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