quarta-feira, 19 de junho de 2013

Sobre as manifestações de rua no Brasil

Quando eu era adolescente, meu pai atuou como sindicalista dos rodoviários, no período em que ocorreu a primeira greve dos funcionários da Vale do Rio Doce. Eu me lembro do temor que nos cercava. Eu tinha 16 anos e trabalhava para a filha de um importante empresário da cidade, dono da então única empresa que fazia o transporte público. Sutilmente, um dia, ele fez uma velada ameaça de morte a meu pai e aos demais diretores do sindicato...
E uma madrugada daquelas, enquanto esperávamos o desfecho das negociações, meu pai me perguntou se eu poderia ir ao sindicato, onde todos estavam acampados, para cantar algumas músicas e orar com os grevistas. Eu me lembro de muitos homens, com lágrimas nos olhos, cantando "Segura na mão de Deus"...
Meu pai dizia que não podia deixar que outras pessoas lutassem pelas causas dele, dando a desculpa de que "crente" não se envolve nessas lutas. Então eu aprendi que engajamento social é parte de nossa ação profética. Às vezes não compartilho de certos posicionamentos políticos, mas não poderia me furtar a comentar, como pessoa, o que penso. Entristece o fato de que muita gente acha que as manifestações que estão acontecendo não mudam nada. Acho que sinalizam uma tomada de posição. Também lamento que muita gente pense que isso seja suficiente. Tenho preocupações com a rejeição a todas as estruturas sociais que se vê, como os partidos, a Igreja, a família, a escola, o governo. O problema nunca foram as estruturas, mas as pessoas. Uma mudança de caráter faz diferença, a mudança de estrutura não. Cristo sabia disso, por isso falou: Meu reino não é deste mundo. Porque os reinos deste mundo não prescindem de seus principados, reis, presidentes, parlamentares, governantes. A ordem do Reino de Deus é outra. Tem a ver com o interior... e muda tudo.
Sempre me preocupei pelo fato de que, sendo pastora, não entrar em debates partidários para que as pessoas não se sentissem limitadas em suas opções. Mas olho para a cidade na qual eu vivo há oito anos e sinto que talvez seja tempo de pensar diferente. Perdemos muitos jovens para outras cidades porque não temos opção de emprego compatível com a capacidade e o estudo deles. As ruas estão apinhadas de gente, o trânsito insuportável. Não existe coleta seletiva de lixo. Os bairros mais distantes sofrem com ônibus ruins. Já faz um tempo que não conseguimos realizar um trabalho no presídio pela dificuldade de acessibilidade. Ouvi que outras igrejas foram proibidas de atuar. Sempre ajudamos os presos com a música, o diálogo e alguns kits de higiene. Faz tempo que não mais. O hospital é um só para toda a cidade e alguns lugares em volta. Nas últimas eleições muita gente votou em quem não quis porque apenas dois candidatos refletem nossa incapacidade de articulação política tanto local quanto estadual. Estamos fragilizados.
Ainda não sei o que fazer. Mas espero que até que cheguem as eleições não nos esqueçamos de que em 2013 fomos às ruas protestar. Lembremos de cada reivindicação na hora de escolher os candidatos. Talvez a sociedade devesse se organizar e indicar outras frentes político-partidárias importantes. Eu sei que tem gente boa na terra de gente boa. Quero enxergar essas pessoas melhor e preciso de ajuda, de outros olhares, de diálogo, de uma proposta sólida. E quero falar sobre isso como cidadã e que as pessoas entendam que os líderes - políticos ou religiosos - têm a responsabilidade de ajudar seus grupos a pensar e por isso não podem ser nem impositivos nem omissos. Eu não quero ser.
A igreja tem que se engajar sim. Ações pequenas e grandes fazem a diferença. Sair às ruas nas manifestações, dar presentes aos carentes no Natal, visitar os doentes e presos, acompanhar os comícios, protestar... Todas as formas de dizer que estamos aqui, de sair das quatro paredes, valem a pena. Até agora vi apenas uma declaração frágil de nossas autoridades maiores quanto a essas manifestações... Não vi nossos líderes dizerem nada. Fico triste, é uma chance de ouro de "transformar a nação" e estamos perdendo o bonde.
E para quem acha que não, eu honro as autoridades: trabalho todos os dias, pago todos os impostos devidos, oro para que eles sejam bem-sucedidos no exercício da função, não me furto de ir às urnas. Mas deixar de dizer o que está errado, isso não dá. Queria estar na cidade na quinta-feira, mas estou temporariamente fora, trabalhando em outro lugar. Quem for, sem vandalismos nem arruaças, vou sentir que está lá também por mim. E acho de boa que nosso lugar é aí, onde o povo está. Aprendi com meu pai que não posso deixar os outros lutarem pelas coisas que vão melhorar a minha vida também. Então estou declarando minha posição...

O povo do coração aquecido

“O justo viverá pela fé” (Romanos 1:17, Habacuque 2:4, Gálatas 3:11, Hebreus 10.38) Uma experiência de mais de um dia John Wesley era um jov...