segunda-feira, 19 de junho de 2017

Os princípios do relacionamento em Rute 1:16-17 (Ministração aos pastores e pastoras do ENPP 2017)

Introdução
O ministério pastoral é um grande desafio para todos e todas nós. É um espaço de dificuldades, mudanças e muitos instantes de solidão. Assim dizem todas as pessoas entendidas da vivência pastoral. Porém, nos encontramos num momento único, em que a Igreja fala tanto de discipulado e quer redescobrir este valor. A Igreja Metodista define o discipulado como relacionamento. Porém, às vezes é justamente no momento de crise que percebemos o quanto nossos relacionamentos são frágeis, superficiais. Procuramos alguém que nos dê suporte e não encontramos. Por quê? Vamos ver na experiência de Rute que um relacionamento significativo, especialmente no contexto ministério, requer alguns princípios de intencionalidade. Para isso, vamos ver o texto no seu quadro maior.

Os nomes em Rute e como eles contam a história
Rute, do ponto de vista do gênero literário, é uma novela. A novela é um estilo bem próprio, no qual as tramas dos personagens visam a uma grande história a ser contada. Os detalhes são importantes. É o que vemos quando fazemos uma leitura alternativa do livro, voltando aos nomes e seus significados.
“E sucedeu que, nos dias em que os juízes julgavam, houve uma fome na terra; por isso um homem da Casa do Pão (Belém) de Judá saiu a peregrinar nos campos da Família do Pai (Moabe), ele e sua mulher, e seus dois filhos. E era o nome deste homem Deus é meu rei (Elimeleque), e o de sua mulher Doçura (Noemi), e os de seus dois filhos Doença (Malom) e Enfermidade (Quiliom), efrateus, da Casa do Pão (Belém) de Judá; e chegaram aos campos da Família do Pai (Moabe), e ficaram ali. E morreu Deus é meu Rei (Elimeleque), marido de Doçura (Noemi); e ficou ela com os seus dois filhos. Os quais tomaram para si mulheres moabitas; e era o nome de uma Costas (Orfa), e o da outra Amiga (Rute); e ficaram ali quase dez anos. E morreram também ambos, Doença e Enfermidade (Malom e Quiliom), ficando assim a mulher desamparada dos seus dois filhos e de seu marido. Então se levantou ela com as suas noras, e voltou dos campos da Família do Pai (Moabe), porquanto naquela terra ouviu que o Senhor tinha visitado o seu povo, dando-lhe pão. Por isso saiu do lugar onde estivera, e as suas noras com ela. E, indo elas caminhando, para voltarem para a terra de Judá, disse Doçura (Noemi) às suas noras: Ide, voltai cada uma à casa de sua mãe; e o Senhor use convosco de benevolência, como vós usastes com os falecidos e comigo. O Senhor vos dê que acheis descanso cada uma em casa de seu marido. E, beijando-as ela, levantaram a sua voz e choraram. E disseram-lhe: Certamente voltaremos contigo ao teu povo. Porém, Doçura (Noemi) disse: Voltai, minhas filhas. Por que iríeis comigo? Tenho eu ainda no meu ventre mais filhos, para que vos sejam por maridos? Voltai, filhas minhas, ide-vos embora, que já mui velha sou para ter marido; ainda quando eu dissesse: Tenho esperança, ou ainda que esta noite tivesse marido e ainda tivesse filhos, esperá-los-íeis até que viessem a ser grandes? Deter-vos-íeis por eles, sem tomardes marido? Não, filhas minhas, que mais amargo me é a mim do que a vós mesmas; porquanto a mão do Senhor se descarregou contra mim. Então, levantaram a sua voz, e tornaram a chorar; e Costas (Orfa) beijou a sua sogra, porém Amiga (Rute) se apegou a ela. Por isso disse Doçura (Noemi): Eis que voltou tua cunhada ao seu povo e aos seus deuses; volta tu também após tua cunhada. Disse, porém, Amiga (Rute): Não me instes para que te abandone, e deixe de seguir-te; porque aonde quer que tu fores irei eu, e onde quer que pousares, ali pousarei eu; o teu povo é o meu povo, o teu Deus é o meu Deus. Onde quer que morreres morrerei eu, e ali serei sepultada. Faça-me assim o Senhor, e outro tanto, se outra coisa que não seja a morte me separar de ti. Vendo Doçura (Noemi), que de todo estava resolvida a ir com ela, deixou de lhe falar.

Doçura e a perda da direção no ministério
Quando Deus nos chamou para seu trabalho, provavelmente a maioria de nós era bem jovem ou ainda novo, nova na fé. Ele nos chamou num momento de alegria, de quebrantamento. Normalmente o chamado é envolvido por expectativa de realização. Somos novos, novas, queremos “mudar o mundo”. Somos doçura e estamos envolvidos e envolvidas por doçura. Não foi para  a doçura que Deus nos chamou? Não é para irmos à terra que mana leite e mel? Não são os mandamentos Dele doces ao paladar? Estamos envolvidos e envolvidas numa atmosfera de fé, porque “Deus é o meu rei”. Estamos preenchidos e preenchidas por uma fé cativante e um amor entregue. Não medimos as consequências! Estamos totalmente disponíveis... Estamos plenos e plenas, estamos na Casa do Pão.
Então, de repente, quando o tempo vai passando, percebemos que as coisas não são bem assim. Começa a faltar pão na casa do pão. Começa a haver falta. Nós nos deslocamos para Moabe, aquele lugar onde duas filhas desesperadas engravidaram do pai, lutando por suas próprias forças humanas e limitadas para garantir um futuro. Mas não há esperança na terra de Moabe. E Doçura faz o que parece impossível. Doçura engravida de doença e enfermidade. O que sai dela é ruim, faz mal e não dura. Seus filhos são fracos e não têm resistência. Depois de um tempo, morrem. Doçura fica desamparada e com ela as pessoas que trouxe para sua convivência: as noras.
Qual foi o momento ministerial em que começamos a perceber que não estamos gerando o que pretendíamos? Que o fruto do nosso trabalho é doente, parco e frágil? Em que momento a doçura que nos movia se afastou de nós e tornamo-nos “Mara”, amargura? É difícil saber, mas este momento é muito cruel. Nele, falamos coisas insensatas: “Não existe mais lugar para mim. Acho que meu tempo já passou. Eu me tornei infrutífero. Eu não gero mais filhos e filhas. Ninguém deve andar comigo”.

Deus e a restauração da esperança por meio da amizade
Mas Deus é meu rei pode estar longe dos olhos por causa de nossa falta de fé. Contudo, não está longe do coração. Ele se move colocando-nos novamente no trilho do discipulado. Ele propõe amigos e amigas que se dispõem a fazer a jornada conosco, mesmo que resistamos, não queiramos ou fiquemos dando desculpas e vivendo na autocomiseração. Deus não nos deixa morrer nos campos da família do pai incestuoso e limitado. Deus quer nos trazer à Casa do Pão e nos alimentar de esperança e vida. O que é preciso? Rute. Ela insiste em ficar quando é mandada embora. Ela não se demove, muito embora os argumentos de Noemi sejam sólidos e façam todo o sentido. E Rute, a Amiga, nos fala sobre o discipulado porque ela atua e faz exatamente como Jesus. Vejamos os princípios que ela nos ensina.
Por onde quer que tu fores, irei eu também – o princípio da mudança
Rute nos diz que, quando queremos relacionamentos autênticos com outros colegas, homens e mulheres, no ministério pastoral, temos de nos dispor a sair do nosso lugar costumado. Não é o que Jesus faz? Diz em João que o “verbo virou gente e armou sua barraca entre nós”. Isso significa não apenas que ele veio para morar com a gente, mas sua habitação é móvel, desmontável, carregável. Porque ele veio para estar onde nós estamos. Assim, Rute é aquela pessoa que Deus levanta para nos mostrar que não estamos na solidão que tanto afirmamos. Essas pessoas oram por nós, insistem, aconselham e se fazem presentes até quando não são bem-vindas. Ficam ao nosso lado e se movem conosco até que passem as calamidades. Elas mudam seu jeito de ser e de viver pela disposição de fazer algo em favor do outro, da outra.
E onde quer que pousares, pousarei também – o princípio da permanência
Rute não apenas anda por uma parte do caminho, na mudança. Mas ela fica quando cai a noite. Como o estranho no caminho de Emaús, ela “entrou para estar” com Noemi. No caminho do relacionamento, é preciso investir tempo para estar. A pousada noturna fala do tempo do descanso, do alívio das tensões, do renovo para caminhar. Alguns relacionamentos foram fundamentais na minha vida em tempos de necessidade porque as pessoas me acolheram e ficaram ao meu redor por um tempo. Disponibilizam de si mesmas para permanecer comigo até que eu melhorasse. Essa experiência é curativa. Não existe amizade verdadeira em modelo fast food. É preciso investir tempo. Pousar, permanecer. Só assim os frutos são produzidos. Isso também nos fala da igreja local. Há o ditado maldito: “Os pastores passam, a igreja continua”. Coisa do capeta! Os pastores e pastoras permanecem e a igreja permanece. Eles entregam suas vidas, convertem e ensinam pessoas. Enquanto essas pessoas estiverem na fé, então os pastores e pastoras permanecem. Eles não precisam estar para ser. A itinerância não significa superficialidade. Ame o povo, ame a terra, ame o lugar em que Deus plantou você. Porque, de muitos modos, você nunca sairá de lá. Permanecerá!
O teu povo será o meu – o princípio da parceria
A permanência inclui também abertura para o aprendizado e a partilha. Tanta gente hoje preocupada em fazer discípulos para si, esquecendo que existe um passo além. Chegou uma hora em que Jesus disse: Vocês não são servos. Chamo vocês de amigos. Quem mentiu para nós dizendo que pastores e pastoras não podem ser amigos entre si, não podem ser amigos e amigas dos membros da Igreja? Não podem desenvolver relacionamentos verdadeiros? Esse é nosso povo! É como a carta de Jeremias: plantar e comer; edificar e morar; amar a cidade, ter filhos e filhas nela e ficar ao ponto de ver netos! Para que nosso ministério tenha doçura, temos de desenvolver a entrega do amor, do afeto, da parceria. Sem amor, nada feito! Este povo precisa ser o MEU povo!
O teu Deus será o meu – o princípio da fé
Pastores e pastoras partilham de um legado juntos e podem desenvolver o melhor de todos os relacionamentos a partir dele: nosso Deus, revelado em Jesus Cristo e experimentado pelo Espírito Santo! Temos vivido em competição, em inveja, tentando apagar o ministério de quem nos antecedeu e sentindo ciúmes de quem nos sucedeu. Até quando? Nosso Deus é o mesmo, a Igreja é dele e há espaço no coração dos membros para acolher todos os pastores e pastoras que tiverem, como homens e mulheres de Deus, empenhados na salvação das almas! Temos de compartilhar essa fé com o colega que sofre revezes. Temos de ser suporte para aqueles e aquelas que estão em fragilidade. Temos de ter compromisso com quem veio antes e com quem virá depois. Nosso Deus é nossa fé em comum. Ele nos une em si mesmo!
Faça-me o Senhor o que vem lhe aprouver – o princípio da aliança
João Wesley assinou um pacto com seus pregadores, para que ninguém falasse mal de ninguém sem provas. Para que procurassem a todo o custo manter a lealdade. Ele teve muitos revezes com seus pregadores. Mas nunca se recusou ao enfrentamento dos conflitos, porque sabia que este era o preço da unidade. Jesus também teve a mesma disposição com os discípulos. Ao abrir o seu coração até nas horas de fraqueza: “Estou triste até à morte, fiquem comigo”, ele pediu a eles no Getsêmani. Rute nos ensina que não adianta a gente começar juntos nosso ministério e irmos deixando as pessoas pelo caminho. Se outra coisa além da morte nos separar, então está tudo errado. Temos de ter uma aliança com o colega, a colega. Uma aliança de amizade genuína. De abertura para perdão e partilha. De uma ética espiritual, prática e vivencial. Como Rute ao andar com Noemi. E que consequências isso trouxe?

O que acontece quando a Amizade decide investir na Doçura perdida?
Há o resgate ministerial: Rute se casa com Boaz e gera um filho. Quando o neném nasce, ela o entrega a Noemi. Aquela que dizia que tinha o ventre seco, que não poderia mais ser mãe, entra no regaço; volta a fazer o que seu coração desejava: cuida, gera, alimenta, protege e educa um bebê. Seu ministério pode ser restaurado hoje, se você deixar Deus usar as Rutes em sua vida para lhe restaurar o primeiro amor e a força do seu chamado.
Há um testemunho que impacta: As vizinhas de Noemi afirmam que Rute valia mais do que dez filhos – que baita elogio no contexto judaico – e que ela realmente amava a sogra. Quando tiver oportunidade, testemunhe publicamente do que colegas pastores e pastoras fizeram por você; conte com simplicidade o que você também fez por outras pessoas. Compartilhe o poder da cura gerada por uma amizade. As pessoas precisam saber disso para se sentirem encorajadas!
Há uma inserção nas promessas divinas: por causa das atitudes de Rute, o bebê gerado por Noemi entra na família de Deus: de Obede, Jessé; de Jessé, Davi; de Davi, Jesus. Relacionamentos curados produzem a realização das promessas divinas em nós. É tempo de assumirmos nosso lugar. Qual seja o de Noemi, reconhecendo nossa amargura de vida e nossa necessidade de resgatar a doçura. Qual seja o de Rute, dispondo-nos a investir na vida de uma pessoa com uma amizade profunda e genuína.

Conclusão: Nosso chamado é uma corrida longa. Certamente nos cansaremos, sentiremos nossa força fraquejar. Não sei se esse é seu momento hoje. Mas quero lhe convidar a vir ao altar e a entregar a Deus sua amargura. A pedir a Ele a cura. Mas ela virá por meio de outras pessoas. Deixe que alguém lhe ajude. Procure sua Rute. Escute o que ela tenha a lhe dizer. Siga sua orientação amorosa. Ou talvez você já tenha passado por tudo isso e esteja hoje transbordante de mel. Tudo está bem e você está em segurança. Você é Rute e pode ser que haja Noemis ao seu redor, sem esperança para seus chamados. Então se desperte para ajudar, investir e amar alguém de verdade. Que impacto extraordinário a Igreja Metodista poderá fazer neste mundo e neste tempo, se apenas seus pastores e pastoras vencerem a barreira e forem exemplo de amizade, apoio, cuidado e afeto uns para os outros e outras! Não é diferente do que Jesus falou: “Quando o mundo vir que eles e elas são um, então o mundo crerá!”


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