Introdução
O ministério pastoral é um grande desafio para todos e todas
nós. É um espaço de dificuldades, mudanças e muitos instantes de solidão. Assim
dizem todas as pessoas entendidas da vivência pastoral. Porém, nos encontramos
num momento único, em que a Igreja fala tanto de discipulado e quer redescobrir
este valor. A Igreja Metodista define o discipulado como relacionamento. Porém, às vezes é justamente no momento de crise
que percebemos o quanto nossos relacionamentos são frágeis, superficiais. Procuramos
alguém que nos dê suporte e não encontramos. Por quê? Vamos ver na experiência
de Rute que um relacionamento significativo, especialmente no contexto
ministério, requer alguns princípios de intencionalidade. Para isso, vamos ver
o texto no seu quadro maior.
Os nomes em Rute e
como eles contam a história
Rute, do ponto de vista do gênero literário, é uma novela. A
novela é um estilo bem próprio, no qual as tramas dos personagens visam a uma
grande história a ser contada. Os detalhes são importantes. É o que vemos
quando fazemos uma leitura alternativa do livro, voltando aos nomes e seus
significados.
“E sucedeu que, nos dias em que os juízes julgavam, houve
uma fome na terra; por isso um homem da Casa do Pão (Belém) de Judá saiu a
peregrinar nos campos da Família do Pai (Moabe), ele e sua mulher, e seus dois
filhos. E era o nome deste homem Deus é meu rei (Elimeleque), e o de sua mulher
Doçura (Noemi), e os de seus dois filhos Doença (Malom) e Enfermidade (Quiliom),
efrateus, da Casa do Pão (Belém) de Judá; e chegaram aos campos da Família do
Pai (Moabe), e ficaram ali. E morreu Deus é meu Rei (Elimeleque), marido de Doçura
(Noemi); e ficou ela com os seus dois filhos. Os quais tomaram para si mulheres
moabitas; e era o nome de uma Costas (Orfa), e o da outra Amiga (Rute); e
ficaram ali quase dez anos. E morreram também ambos, Doença e Enfermidade (Malom
e Quiliom), ficando assim a mulher desamparada dos seus dois filhos e de seu
marido. Então se levantou ela com as suas noras, e voltou dos campos da Família
do Pai (Moabe), porquanto naquela terra ouviu que o Senhor tinha visitado o seu
povo, dando-lhe pão. Por isso saiu do lugar onde estivera, e as suas noras com
ela. E, indo elas caminhando, para voltarem para a terra de Judá, disse Doçura
(Noemi) às suas noras: Ide, voltai cada uma à casa de sua mãe; e o Senhor use
convosco de benevolência, como vós usastes com os falecidos e comigo. O Senhor vos
dê que acheis descanso cada uma em casa de seu marido. E, beijando-as ela,
levantaram a sua voz e choraram. E disseram-lhe: Certamente voltaremos contigo
ao teu povo. Porém, Doçura (Noemi) disse: Voltai, minhas filhas. Por que iríeis
comigo? Tenho eu ainda no meu ventre mais filhos, para que vos sejam por maridos?
Voltai, filhas minhas, ide-vos embora, que já mui velha sou para ter marido;
ainda quando eu dissesse: Tenho esperança, ou ainda que esta noite tivesse
marido e ainda tivesse filhos, esperá-los-íeis até que viessem a ser grandes?
Deter-vos-íeis por eles, sem tomardes marido? Não, filhas minhas, que mais
amargo me é a mim do que a vós mesmas; porquanto a mão do Senhor se descarregou
contra mim. Então, levantaram a sua voz, e tornaram a chorar; e Costas (Orfa)
beijou a sua sogra, porém Amiga (Rute) se apegou a ela. Por isso disse Doçura (Noemi):
Eis que voltou tua cunhada ao seu povo e aos seus deuses; volta tu também após
tua cunhada. Disse, porém, Amiga (Rute): Não me instes para que te abandone, e
deixe de seguir-te; porque aonde quer que tu fores irei eu, e onde quer que
pousares, ali pousarei eu; o teu povo é o meu povo, o teu Deus é o meu Deus. Onde
quer que morreres morrerei eu, e ali serei sepultada. Faça-me assim o Senhor, e
outro tanto, se outra coisa que não seja a morte me separar de ti. Vendo Doçura
(Noemi), que de todo estava resolvida a ir com ela, deixou de lhe falar.
Doçura e a perda da direção no ministério
Quando Deus nos chamou para seu trabalho, provavelmente a
maioria de nós era bem jovem ou ainda novo, nova na fé. Ele nos chamou num
momento de alegria, de quebrantamento. Normalmente o chamado é envolvido por
expectativa de realização. Somos novos, novas, queremos “mudar o mundo”. Somos
doçura e estamos envolvidos e envolvidas por doçura. Não foi para a doçura que Deus nos chamou? Não é para
irmos à terra que mana leite e mel? Não são os mandamentos Dele doces ao
paladar? Estamos envolvidos e envolvidas numa atmosfera de fé, porque “Deus é o
meu rei”. Estamos preenchidos e preenchidas por uma fé cativante e um amor
entregue. Não medimos as consequências! Estamos totalmente disponíveis...
Estamos plenos e plenas, estamos na Casa do Pão.
Então, de repente, quando o tempo vai passando, percebemos que
as coisas não são bem assim. Começa a faltar pão na casa do pão. Começa a haver
falta. Nós nos deslocamos para Moabe, aquele lugar onde duas filhas
desesperadas engravidaram do pai, lutando por suas próprias forças humanas e
limitadas para garantir um futuro. Mas não há esperança na terra de Moabe. E
Doçura faz o que parece impossível. Doçura engravida de doença e enfermidade. O
que sai dela é ruim, faz mal e não dura. Seus filhos são fracos e não têm
resistência. Depois de um tempo, morrem. Doçura fica desamparada e com ela as
pessoas que trouxe para sua convivência: as noras.
Qual foi o momento ministerial em que começamos a perceber
que não estamos gerando o que pretendíamos? Que o fruto do nosso trabalho é
doente, parco e frágil? Em que momento a doçura que nos movia se afastou de nós
e tornamo-nos “Mara”, amargura? É difícil saber, mas este momento é muito
cruel. Nele, falamos coisas insensatas: “Não existe mais lugar para mim. Acho
que meu tempo já passou. Eu me tornei infrutífero. Eu não gero mais filhos e
filhas. Ninguém deve andar comigo”.
Deus e a restauração da esperança por meio da amizade
Mas Deus é meu rei pode estar longe dos olhos por causa de
nossa falta de fé. Contudo, não está longe do coração. Ele se move
colocando-nos novamente no trilho do discipulado. Ele propõe amigos e amigas
que se dispõem a fazer a jornada conosco, mesmo que resistamos, não queiramos
ou fiquemos dando desculpas e vivendo na autocomiseração. Deus não nos deixa
morrer nos campos da família do pai incestuoso e limitado. Deus quer nos trazer
à Casa do Pão e nos alimentar de esperança e vida. O que é preciso? Rute. Ela
insiste em ficar quando é mandada embora. Ela não se demove, muito embora os
argumentos de Noemi sejam sólidos e façam todo o sentido. E Rute, a Amiga, nos
fala sobre o discipulado porque ela atua e faz exatamente como Jesus. Vejamos
os princípios que ela nos ensina.
Por onde quer que tu
fores, irei eu também – o princípio da mudança
Rute nos diz que, quando queremos relacionamentos autênticos
com outros colegas, homens e mulheres, no ministério pastoral, temos de nos
dispor a sair do nosso lugar costumado. Não é o que Jesus faz? Diz em João que
o “verbo virou gente e armou sua barraca entre nós”. Isso significa não apenas
que ele veio para morar com a gente, mas sua habitação é móvel, desmontável,
carregável. Porque ele veio para estar onde nós estamos. Assim, Rute é aquela
pessoa que Deus levanta para nos mostrar que não estamos na solidão que tanto
afirmamos. Essas pessoas oram por nós, insistem, aconselham e se fazem
presentes até quando não são bem-vindas. Ficam ao nosso lado e se movem conosco
até que passem as calamidades. Elas mudam seu jeito de ser e de viver pela
disposição de fazer algo em favor do outro, da outra.
E onde quer que
pousares, pousarei também – o princípio da permanência
Rute não apenas anda por uma parte do caminho, na mudança.
Mas ela fica quando cai a noite. Como o estranho no caminho de Emaús, ela “entrou
para estar” com Noemi. No caminho do relacionamento, é preciso investir tempo
para estar. A pousada noturna fala do tempo do descanso, do alívio das tensões,
do renovo para caminhar. Alguns relacionamentos foram fundamentais na minha
vida em tempos de necessidade porque as pessoas me acolheram e ficaram ao meu
redor por um tempo. Disponibilizam de si mesmas para permanecer comigo até que
eu melhorasse. Essa experiência é curativa. Não existe amizade verdadeira em
modelo fast food. É preciso investir tempo. Pousar, permanecer. Só assim os frutos
são produzidos. Isso também nos fala da igreja local. Há o ditado maldito: “Os
pastores passam, a igreja continua”. Coisa do capeta! Os pastores e pastoras
permanecem e a igreja permanece. Eles entregam suas vidas, convertem e ensinam
pessoas. Enquanto essas pessoas estiverem na fé, então os pastores e pastoras
permanecem. Eles não precisam estar para ser. A itinerância não significa
superficialidade. Ame o povo, ame a terra, ame o lugar em que Deus plantou
você. Porque, de muitos modos, você nunca sairá de lá. Permanecerá!
O teu povo será o meu
– o princípio da parceria
A permanência inclui também abertura para o aprendizado e a
partilha. Tanta gente hoje preocupada em fazer discípulos para si, esquecendo
que existe um passo além. Chegou uma hora em que Jesus disse: Vocês não são
servos. Chamo vocês de amigos. Quem mentiu para nós dizendo que pastores e
pastoras não podem ser amigos entre si, não podem ser amigos e amigas dos
membros da Igreja? Não podem desenvolver relacionamentos verdadeiros? Esse é nosso
povo! É como a carta de Jeremias: plantar e comer; edificar e morar; amar a
cidade, ter filhos e filhas nela e ficar ao ponto de ver netos! Para que nosso
ministério tenha doçura, temos de desenvolver a entrega do amor, do afeto, da
parceria. Sem amor, nada feito! Este povo precisa ser o MEU povo!
O teu Deus será o meu
– o princípio da fé
Pastores e pastoras partilham de um legado juntos e podem
desenvolver o melhor de todos os relacionamentos a partir dele: nosso Deus,
revelado em Jesus Cristo e experimentado pelo Espírito Santo! Temos vivido em
competição, em inveja, tentando apagar o ministério de quem nos antecedeu e
sentindo ciúmes de quem nos sucedeu. Até quando? Nosso Deus é o mesmo, a Igreja
é dele e há espaço no coração dos membros para acolher todos os pastores e
pastoras que tiverem, como homens e mulheres de Deus, empenhados na salvação
das almas! Temos de compartilhar essa fé com o colega que sofre revezes. Temos
de ser suporte para aqueles e aquelas que estão em fragilidade. Temos de ter
compromisso com quem veio antes e com quem virá depois. Nosso Deus é nossa fé
em comum. Ele nos une em si mesmo!
Faça-me o Senhor o
que vem lhe aprouver – o princípio da aliança
João Wesley assinou um pacto com seus pregadores, para que
ninguém falasse mal de ninguém sem provas. Para que procurassem a todo o custo
manter a lealdade. Ele teve muitos revezes com seus pregadores. Mas nunca se
recusou ao enfrentamento dos conflitos, porque sabia que este era o preço da
unidade. Jesus também teve a mesma disposição com os discípulos. Ao abrir o seu
coração até nas horas de fraqueza: “Estou triste até à morte, fiquem comigo”,
ele pediu a eles no Getsêmani. Rute nos ensina que não adianta a gente começar
juntos nosso ministério e irmos deixando as pessoas pelo caminho. Se outra
coisa além da morte nos separar, então está tudo errado. Temos de ter uma
aliança com o colega, a colega. Uma aliança de amizade genuína. De abertura
para perdão e partilha. De uma ética espiritual, prática e vivencial. Como Rute
ao andar com Noemi. E que consequências isso trouxe?
O que acontece quando a Amizade decide investir na Doçura perdida?
Há o resgate ministerial: Rute se casa com Boaz e gera um
filho. Quando o neném nasce, ela o entrega a Noemi. Aquela que dizia que tinha
o ventre seco, que não poderia mais ser mãe, entra no regaço; volta a fazer o que
seu coração desejava: cuida, gera, alimenta, protege e educa um bebê. Seu
ministério pode ser restaurado hoje, se você deixar Deus usar as Rutes em sua
vida para lhe restaurar o primeiro amor e a força do seu chamado.
Há um testemunho que impacta: As vizinhas de Noemi afirmam
que Rute valia mais do que dez filhos – que baita elogio no contexto judaico –
e que ela realmente amava a sogra. Quando tiver oportunidade, testemunhe
publicamente do que colegas pastores e pastoras fizeram por você; conte com
simplicidade o que você também fez por outras pessoas. Compartilhe o poder da
cura gerada por uma amizade. As pessoas precisam saber disso para se sentirem
encorajadas!
Há uma inserção nas promessas divinas: por causa das
atitudes de Rute, o bebê gerado por Noemi entra na família de Deus: de Obede,
Jessé; de Jessé, Davi; de Davi, Jesus. Relacionamentos curados produzem a
realização das promessas divinas em nós. É tempo de assumirmos nosso lugar.
Qual seja o de Noemi, reconhecendo nossa amargura de vida e nossa necessidade
de resgatar a doçura. Qual seja o de Rute, dispondo-nos a investir na vida de
uma pessoa com uma amizade profunda e genuína.
Conclusão: Nosso chamado é uma corrida longa. Certamente nos cansaremos, sentiremos nossa força fraquejar. Não sei se esse é seu momento hoje. Mas quero lhe convidar a vir ao altar e a entregar a Deus sua amargura. A pedir a Ele a cura. Mas ela virá por meio de outras pessoas. Deixe que alguém lhe ajude. Procure sua Rute. Escute o que ela tenha a lhe dizer. Siga sua orientação amorosa. Ou talvez você já tenha passado por tudo isso e esteja hoje transbordante de mel. Tudo está bem e você está em segurança. Você é Rute e pode ser que haja Noemis ao seu redor, sem esperança para seus chamados. Então se desperte para ajudar, investir e amar alguém de verdade. Que impacto extraordinário a Igreja Metodista poderá fazer neste mundo e neste tempo, se apenas seus pastores e pastoras vencerem a barreira e forem exemplo de amizade, apoio, cuidado e afeto uns para os outros e outras! Não é diferente do que Jesus falou: “Quando o mundo vir que eles e elas são um, então o mundo crerá!”
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