quinta-feira, 24 de julho de 2008

Sermão: Deus sara a terra

Sermão temático: Deus sara a terra

Texto bíblico: 2Cr 7.11-22

Pra. Hideíde Brito Torres

Introdução

No mundo do Antigo Testamento, existe uma idéia muito arraigada: a de que Deus castiga o erro e premia o acerto. É o que os teólogos chamam de “Teologia da Retribuição”. Por causa desse pensamento é que os amigos de Jó o acusam de ter feito algo errado para estar doente; seria um castigo de Deus. Ao mesmo tempo em que essa era uma idéia forte, ela também encontrava resistência, especialmente entre aqueles que queriam defender sua reta observância dos mandamentos de Deus e mesmo assim eram passíveis de sofrer algum revés na vida.

Especialmente no contexto da graça de Deus, trazida por Jesus a nós e explicitada no Novo Testamento, a idéia da teologia da retribuição caiu por terra. Deus não nos trata em termos de “olho por olho, dente por dente” quando se fala em pecado. Ele nos ensina, nos admoesta, nos exorta. Mas isso não elimina uma outra realidade que nós temos de encarar: mesmo que Deus não nos castigue, o pecado tem conseqüências desastrosas para nós. Diz Paulo em Romanos 3.23: “todos pecaram e por isso carecem da glória de Deus”. E ainda: “O salário do pecado é a morte”. Que o pecado tem conseqüências, disso não há dúvidas. Assim, não mais leremos o texto desta noite na perspectiva em que ele foi redigido, isto é, da teologia da retribuição do Antigo Testamento. Mas, à luz do Novo Testamento, vamos falar do pecado e de suas conseqüências; da doença mortal e seus sintomas, bem como da cura divina que Deus quer realizar em nós e por meio de nós.

A profilaxia divina

O texto que lemos é a resposta de Deus à oração que Salomão fizera quando inaugurou o templo. Tudo era festa, luz, cores, sacrifícios e alegria. O povo estava fiel e regozijante diante de Deus. Já a redação dessa história acontece muito tempo depois, quando o povo está cativo na Babilônia. Era um tempo em que se buscava essa esperança para animar a reconstrução da vida. Portanto, temos dois momentos: o do evento e o da memória.

Quero fixar-me porém, neste texto como evento, isto é, entendê-lo a partir do momento em que Deus, na hora da festa, fala a seu servo. Para isso, quero afirmar que esse é um texto de profilaxia divina. Isto é, a doença ainda não chegou, nada de ruim aconteceu. A terra está saudável, festeira. Deus fala de um tempo que poderia vir a acontecer, mas que está distante dos olhos do povo no momento.

E o que é uma atitude profilática? É aquela que a gente toma antes de ficar doente. Quando tomamos uma chuva forte e chegamos em casa, qual a primeira providência? Um banho quente e um chá especial, para não ficarmos doentes. Deus também não quer que a terra adoeça. Para isso, ele toma medidas profiláticas. Ele avisa ao povo, por meio de seu líder, Salomão, que existe a possibilidade da doença.

É sinal disso o fato de que, quando lemos este texto no original, todos os verbos aparecem no futuro. Isto é, nada disso aconteceu ainda; é um tempo de prevenção.

A Palavra de Deus tem para nós diversos ensinos preventivos, conselhos para o bem. O livro de Provérbios é todo baseado no ensino de uma sabedoria que evite o mal para aquele que a escuta. No salmo 119, encontramos diversas expressões singulares: “De que maneira poderá o jovem guardar puro o seu caminho? Observando-o segundo a tua palavra”. “Lâmpada para os meus pés é a tua palavra e luz para o meu caminho”. E ainda: “De todo o coração te busquei, não me deixes fugir aos teus mandamentos”. Com Cristo, temos o mesmo ensino: “Aquele que está de pé, vede para que não caia”. Os apóstolos e mestres do Novo Testamento prosseguem, nos ensinando a evitar a doença mortal que é o pecado: “Essas coisas vos escrevo para que não pequeis”. “Sede santos como santo é o vosso Pai celeste”; “Buscai as coisas lá do alto, onde Cristo vive, assentado à direita de Deus”. Enfim, poderíamos listar uma série de medidas que funcionam em nossa vida como um banho quente e um chá especial depois de uma chuva.

Os mandamentos de Deus para nós são medidas profiláticas, para que evitemos a doença. Que doença é essa? O pecado, em suas diversas manifestações. A desobediência à vontade divina. Deus antecipa seu cuidado e disposição em perdoar. O povo precisa saber que existe uma doença a ser evitada. Precisa evita-la. Mas, se não o fizer, Deus, de antemão, ensina o caminho para a cura.

O caminho da cura divina

O texto, se o tomarmos ao pé da letra, diz o seguinte: “E humilhar-se-ão meu povo que chamou pelo meu nome sobre eles e orarão e buscarão minha face e converter-se-ão dos caminhos maus deles e eu ouvirei dos céus e perdoarei os pecados deles e curarei a terra deles”.

Quero destacar que essas palavras, tais como se apresentam, indicam para nós o caminho da cura dessa doença que é o pecado. Sim, pois nos versículos anteriores podemos entender que a causa da doença da terra (cujos sintomas são a fome e a peste, a seca) é a desobediência aos mandamentos de Deus. Como cristãos, não acreditamos que Deus, de forma simples e direta, castiga o mal e premia o bem, como acreditavam os antigos na teologia da retribuição. Sabemos que muitas coisas ruins também acontecem a pessoas boas e que coisas boas acontecem a pessoas ruins. O juízo de Deus é algo mais misterioso e profundo.

Entretanto, existe uma regra da Física que serve para todas as realidades, mesmo as espirituais: “toda causa tem uma conseqüência”. Isto é, tudo o que fazemos terá um resultado, bom ou ruim. Assim, o pecado cometido pode não ser diretamente castigado por Deus, mas ele desencadeia uma série de coisas em nossas vidas.

Quando o texto foi redigido como está em nossas Bíblias, isso deveria estar claro para o cronista. De fato, desobedecemos a Deus. Fomos exilados na Babilônia e nossa terra está sofrendo com a peste, a fome, a seca. Qual o caminho para voltarmos a celebrar, como nos tempos de Salomão? Deus dá a resposta no sonho do rei.

E meu povo que chamou meu nome sobre si se humilhará

Em Tiago, lemos: “Humilhai-vos sob a potente mão de Deus, para que ele, a seu tempo, vos exalte”. A verdade é que Deus quer que olhemos para dentro de nós mesmos com toda a sinceridade. Humilhar-se diante de Deus pode ser entendido, pura e simplesmente, como “cair em si”, “cair na real”. É como o filho pródigo que, ao olhar para si mesmo, tira de seus olhos uma venda que o impedia de enxergar sua real situação: estava num chiqueiro; aos olhos do patrão, era quase um porco com os porcos. Era ainda pior, pois nem poderia comer a mesma comida que eles. Ao ver-se como era, foi possível tomar o caminho de volta para casa.

Mas não gostamos de nos humilhar diante de ninguém, ainda mais diante de Deus. A essência do ser humano é querer ser Deus. O salmista diz: “Vocês são todos deuses, gostam de se achar os filhos do Altíssimo. Mas é como homens que vocês vão morrer, em sua real condição, pois pensam que são deuses, mas não são...” Pensemos agora em quantas desculpas encontramos para justificar nossos pecados. “Não, Senhor, eu não pequei. Foi a mulher que o Senhor me deu... Não, Senhor, eu não pequei, foi a serpente que me enganou”. Humilhar-se diante de Deus é reconhecer onde exatamente erramos. Onde é preciso consertar. Por isso é que temos, a cada domingo, um momento de confissão no culto. Para não deixar a soberba humana e o orgulho endurecerem nosso coração. Para reconhecer a soberania que é de Deus; a santidade que emana dele. “Cair em si” é o primeiro passo para a cura divina.

E orarão e buscarão a minha face

Gosto muito dessa expressão. Quando pedimos perdão a alguém, mas não o fazemos sinceramente, é comum desviar o olhar. Buscar a face de Deus parece para mim o mesmo que dizer: “olhar nos olhos dele”. Ir fundo no processo do arrependimento. Não é orar formalmente, fazer por fazer, mas buscar aquilo que no momento parece distante e escondido. O pecado, a desobediência fizeram o rosto de Deus desaparecer no horizonte da vida do povo. Para retomar a vida, é preciso trazer esse rosto novamente diante dos nossos olhos. É preciso encarar Deus, olho no olho, demonstrar a ele nosso sincero arrependimento. Para isso, é preciso intimidade. É difícil encarar o estranho olho no olho. Porque isso revela nossa alma. Olhando nos olhos de alguém é difícil esconder a emoção, dissimular, mentir. Deus quer nos curar, mas para isso ele quer olhar nos nossos olhos, ter intimidade conosco, entrar nos nossos sentimentos mais profundos do coração. O povo que conhece o nome do seu Deus sabe que esse nome indica misericórdia e favor. Por isso, esse povo ora; busca a face de Deus, encara seu olhar. Um olhar que não é de cobrança ou ira, mas de amor, como Jesus fez com o jovem rico certa vez. Depois de cair em si, é preciso encarar Deus olho no olho. Esse é o caminho da cura.

E se converterá do mau caminho dele

Esse é o momento da virada; a cura final para a desobediência é fazer meia-volta nesse caminho. A conversão é uma nova direção de vida. A palavra “mau” que aqui aparece demonstra a essência do caminho do povo distante de Deus. Não é apenas uma prática, mas é um caráter mau que existe no caminho da desobediência. É uma essência de morte. Não dá pra prosseguir assim. É preciso dar meia-volta. Se alguém está doente porque determinada comida lhe faz mal, não adianta mudar o tempero. É preciso parar de comer aquilo. O pecado não pode ser disfarçado sob outro nome ou outra prática. Ele é mau em essência; tem que ser deixado! Converter-se é a conseqüência natural de “cair em si” e olhar nos olhos de Deus. Ao olhar para mim e olhar para Deus, não existe alternativa possível para mim: sou como que obrigada a me converter a ele, pois sou interiormente convencida de que esse é o único caminho possível de vida!

Então eu ouvirei, perdoarei e sararei

Muita gente acha que Deus não pode ou não quer ouvir. Muita gente confia apenas em seus próprios sentimentos. Já ouvi até alguém dizer: “Deus pode até me perdoar, mas eu não me perdôo”. Deus, ao contrário do que pensamos, está mais do que disposto a perdoar. Tanto que ele deu essa receita de cura para o povo antes mesmo que ele pecasse. Deus ensinou a cura antes mesmo que a doença surgisse! Por isso, ele diz: Eu ouvirei. Ouvir é fácil. Às vezes, podemos errar contra alguém e essa pessoa pacientemente nos escuta pedir perdão. Ela observa nosso choro. Sente nosso tremor. Mas não aceita nosso pedido. Deus ouve e dá um passo além: perdoa. Ele age para mudar a situação gerada pela morte, pela desobediência, pelo pecado. E mais: ele sara a ferida que a desobediência causou. É como uma mãe que alerta o filho para uma brincadeira perigosa, mas jamais se recusa a passar remédio na ferida ou dar um beijinho pra sarar.

Conclusão

Deus não recusa seu amor só porque uma vez o desobedecemos. O caminho da cura é um caminho aberto para nós, porque Deus nos dá a receita. Ele nos convida a evitar o pecado e as conseqüências trágicas do pecado em nossa vida. Mas, se pecarmos, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda a injustiça. Deus não apenas ouve, não apenas perdoa, mas dá a real chance do recomeço.

E o mais interessante a se destacar: é uma cura completa. No caso do povo, não apenas o perdão do pecado, mas a volta para a casa depois do exílio, a reconstrução das casas, a retomada das plantações, das chuvas, da fertilidade, da saúde tirada pela peste. Não apenas nossa vida eterna, mas nossa família, nosso trabalho, nossa dignidade como seres humanos, nossa vida na sociedade hoje e agora. O caminho para a cura, porém, passa por esses pontos fundamentais: humilhar-se, buscar a face de Deus e fazer a volta no caminho mau. Queremos a cura de Deus para nossa vida? Vamos aviar a receita divina, fazendo dela uma prática constante em nosso caminho; mais ainda, vamos ouvir o conselho divino e permanecer na saúde espiritual, fugindo dessa doença mortal chamada pecado. Deus é conosco!

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