sexta-feira, 17 de abril de 2009

Depois da tempestade

No mar escuro, com as ondas dando de todos os lados contra o pequeno barco, nada resta ao navegante senão continuar a remar. Não há tempo para pensar, ou sentir, ou respirar, ou desejar estar em outro lugar. Seus olhos estão fitos no horizonte que está diante dele. Não naquilo que deseja, mas naquilo a que pode se agarrar para sobreviver. Preces são murmuradas em meio às braçadas. A noite é longa, mas o sono está distante - não se pode cochilar sem pôr a alma em risco. Então, prossegue a vigília. Às vezes, o choro pode durar a noite inteira - mas pode fazer a noite durar inteira.
Mas, de repente, é dia. A praia pode ser vista ao longe. As remadas podem ser as últimas. Deitado na areia morna, quando o náufrago pensa que finalmente poderá sorrir, então é que vê: os dedos em frangalhos, as palmas das mãos em carne viva, os punhos inchados. A pele seca e rachada, os cabelos emaranhados, os braços e pernas em chagas, as felpas do remo entranhadas por todos os lados, a sola dos pés em brasa por se agarrar ao fundo do barco. Os olhos, vermelhos de sal e de lágrimas; a boca ressequida das preces intermináveis. Depois da tempestade, aí é que vem a dor de sentir-se traído pelo mar no qual sempre navegou se achando seguro. Depois da tempestade é que vem o medo de navegar outra vez. Depois do susto é que vem o tremor, o coração palpitante, a gagueira. Depois de tanto amor à vida é que vem a pergunta pela validade de tudo o que se fez...
Antes de mais nada, portanto, é preciso um banho, uma refeição, um sono reparador... um refrigério... Não é que o navegante não seja grato por ter sobrevivido - o que ele quer é entender a razão de tão repentina tempestade. Por que teve de ser assim? Perguntas sem respostas são as felpas mais profundas para se retirar. Mas ele pára mais uma vez diante do mar e sabe que tem uma escolha: se não se entregar de novo às ondas, jamais navegará novamente. Se não esquecer, talvez nada de novo aconteça. Sem coragem para um mergulho, às vezes ele molha o pé na onda que quebra na praia... Quem sabe um dia... ainda não...

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