sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Viver pela fé

Viver pela fé, esta foi a grande descoberta de Martinho Lutero, responsável por sua conversão e por elevá-lo à categoria de reformador. É bem verdade que um conjunto de fatores históricos, sociais e espirituais contribuiu para que ele fosse a pessoa certa, no lugar certo, a fim de promover a renovação que a Igreja, caída nas trevas do obscurantismo e da tirania eclesiástica e política, estava necessitando profundamente. Mas Martinho não foi reformador sozinho. Antes dele, contemporaneamente e também depois, muitos outros homens e mulheres deram sua contribuição para manter a renovação na vida da Igreja, de modo que a fé não fosse engessada pela estrutura.
Temos uma tendência perigosa escolher e eleger líderes que, vistos isoladamente, são marcos, “estrelas” e “salvadores da pátria”. Esperamos que apareça alguém que resolva o problema, que reforme a Igreja. Um pastor, um bispo, um evangelista, um líder... alguém que resolva o problema. Mas a vivência da Igreja não se dá a partir de pessoas isoladas, mas da ação comunitária. Na Bíblia, especialmente no livro de Juízes, vemos que o surgimento de um novo líder era para responder às aspirações e movimentos já presentes no meio do povo. Ele era um representante, um porta-voz, um condutor, um organizador do povo. Não era quem iria resolver os problemas sozinhos – apenas dar a voz de comando que concentraria as esperanças de toda a nação.
Essa falsa ideia de libertador foi combatida até mesmo por Jesus. Na estrada de Emaús, os discípulos disseram: “Achávamos que era este que fosse libertar o povo”... O cristão, porém, não é alguém que fica esperando que alguém faça o trabalho. Ao contrário, pela fé, ele se dispõe a fazer o que é preciso. A pessoa cristã não precisa de mártires, nem de estrelismo. Mas, quando surge um líder, tocado por Deus, comprometido com a obra, a comunidade vai com ele, não esperando que ele resolva os problemas. Pela fé, a comunidade dá as mãos e ouve o seu líder, aguardando dele orientação, não tutela; ensino, não cabresto; pastoreio, não tirania. Viver pela fé é viver juntos o projeto de Deus. Esta é a reforma da qual nós, a todo o tempo, precisamos.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Ricardo Gondim - quando as palavras dos outros poderiam ser as nossas...

Desilusão e desencanto.
Ricardo Gondim.

Despeço-me do ano. Minhas alegrias, bem como as tristezas, foram numerosas e intensas. Surpreendi-me com ressurreições e chorei mortes; dancei nos salões da felicidade e arrastei-me nos charcos do desgosto; abri os braços para acolher quem voltava e, impotente, vi as costas de quem partia.


Esse foi o ano das desilusões e dos desencantos. E eu espero não misturar esses dois sentimentos. As ilusões não passam de idealizações; os encantamentos, estados de admiração. As ilusões baseiam-se em falsidades, elas são miragens; os encantamentos nascem de apreciações da realidade. As ilusões vestem as nossas mentes de fantasias; os encantamentos veem de percepções claras da vida.

Iludi-me com a nobreza institucional; acreditei piamente que a igreja que me rodeava era “a Igreja” de Jesus – por favor, perceba os “is”, minúsculo e maiúsculo. Por anos, dei-me completamente a uma versão do cristianismo que eu percebia como a única, a mais verdadeira, a melhor de todos os tempos. Iludido com essa versão, não notei os ciúmes, as maldades, as invejas, que a motivavam.

Iludi-me com o expansionismo de minha missão. Acreditei no mito moderno do progresso. Eu achava que poderia continuar crescendo numericamente e, ao mesmo tempo, manter o ambiente relacional dos tempos em que me reunia com uma porção de jovens idealistas. Cheguei a pensar que poderia abrir meu coração entre clérigos profissionais com a mesma liberdade que fazia entre os primeiros parceiros de ministério.

Iludi-me com a natureza humana. Acreditei na bondade das pessoas; principalmente, nos que se diziam cheios do Espírito Santo de Deus. Eu imaginava que alguém que transbordasse de Deus não saberia conspirar como Absalão, não conseguiria trair como Judas e seria incapaz de portar-se como um lobo voraz. Ledo engano!

Os porões eclesiásticos estão entulhados de cadáveres de gente esfaqueada pelas costas. A história não omite: os corredores das catedrais comportam verdugos e facínoras sequiosos de subirem as hierarquias organizacionais.

De repente, veio a desilusão. As vendas caíram dos olhos e notei o tamanho de minhas fantasias religiosas. Acontece que uma pessoa desiludida nunca mais volta a se iludir. E nesse processo, fui obrigado a separar as desilusões dos desencantamentos. Pois, ao contrário dos desiludidos, os desencantados podem re-encantar-se novamente.

Andei desencantado com minha missão, vocação e devoção. Mas jamais perdi o que inicialmente me deslumbrou no Evangelho. Continuo absolutamente fascinado com a vida de Jesus de Nazaré. E volto a maravilhar-me cada vez que leio sobre seu caráter, sua ternura para com os desvalidos e seu perdão para os pecadores. Sua doação na cruz, sua morte exemplar e a sua ressurreição triunfante, não permitem desencantos.

Em minhas dores cheguei a cogitar que desistiria de tudo, mas não consegui. Continuo acreditando que os valores do Reino de Deus precisam vazar para todas as dimensões do viver humano, sob pena de deixar o mundo se transformar no inferno de Dante. Os valores de justiça, paz e equidade humana, como propostos por Jesus e seus apóstolos, não podem ficar escondidos, mas devem ser proclamados universalmente. Isso é tão magnífico para mim que cura meu coração desiludido, devolve viço à minha poesia melancólica e re-energiza o meu labor.

Nas coisas que me desiludi, não contemplo retorno, mas sei que os meus sonhos voltam a se colorir. Neste novo ano, responderei com novo alento: “eis-me aqui, envia-me a mim”.

Soli Deo Gloria.

O povo do coração aquecido

“O justo viverá pela fé” (Romanos 1:17, Habacuque 2:4, Gálatas 3:11, Hebreus 10.38) Uma experiência de mais de um dia John Wesley era um jov...