O Gnosticismo é anterior ao Cristianismo. A palavra "Gnose" quer dizer "conhecimento". Os gnósticos entendiam que era possível alcançar um nível superior de vida através do alcance do conhecimento. Não um conhecimento qualquer, de ordem puramente acadêmica ou intelectualista. Ao contrário, seu entendimento era o de um conhecimento elevado, uma percepção ou "forma de sabedoria esotérica que proporcionava conhecimento relativo ao Pleroma [estado anterior ao mundo material, perfeito] e ao caminho que para lá conduzia".
Mas esse conhecimento não era possível a todos; apenas os pneumáticos, isto é, os que possuíam o poder para receber tal conhecimento, poderiam alcançá-lo. Os outros homens, incapazes de realizar tal tarefa, eram denominados pelos gnósticos de materialistas. Ainda havia uma classe intermediária, os psíquicos, dos quais os cristãos faziam parte, que poderia alcançar a salvação. Mas com esse conceito de classes, combatido pelos Pais Apostólicos, os gnósticos pregavam uma forma de predestinação. Além disso, também ensinavam o conhecimento como requisito superior à fé para a salvação e elevavam o homem ao nível da divindade.
O Gnosticismo tomou certas bases cristãs e as introduziu em seu conceito de salvação. Tinham a Cristo como aquele que indicara mais perfeitamente o caminho para alcançar o conhecimento. Contudo, rejeitavam sua morte e ressurreição, introduzindo conceitos mirabolantes para explicar a crucificação. Não era-lhes possível conceber a idéia de um Cristo morto, muito menos, humano, carnal. Consideravam a matéria como algo vil e mau. Sendo Cristo uma essência espiritual e, portanto, superior, jamais poderia ter entrado em contato com a matéria, inferior e corruptível.
Dentre as diversas linhas gnósticas, surgiram várias explicações para o fenômeno da encarnação e da crucificação. Algumas afirmavam que o Cristo tinha apenas uma aparência humana, como um fantasma (Docetismo). Outras teorias sugeriam que o Cristo espiritual apoderara-se do homem Jesus, novamente deixando este corpo quando da crucificação. Ainda havia a idéia de que Simão, o Cireneu, havia sido crucificado por engano no lugar de Cristo, tendo este escapado assim à morte.
Assim, pode-se entender que os gnósticos rejeitavam também a ressurreição do corpo e não possuíam uma visão escatológica (sobre o fim dos tempos): para eles, a alma subia ao pleroma (um local similar ao que entendemos como céu, ou um nível superior de existência) e aí reside a plenitude da vida.
Origens históricas do Credo
Nos primeiros séculos, o texto do credo era utilizado sob a forma interrogativa no momento do batismo. Os batizandos eram indagados quanto à sua fé e deveriam responder a essas perguntas com a expressão: "Creio". O ministro indagava, por exemplo, "Crês em Deus Pai, Todo Poderoso, criador do céu e da terra?" Depois que o batizando respondia afirmativamente a todas as perguntas, ou entre uma resposta e outra, recebia a água do batismo por aspersão ou imersão.
Por volta do séc. III, já se utilizava, no batismo, a pronunciação seguida do credo pelos neófitos. Diversas fórmulas batismais já circulavam no séc. III, algumas delas constantes no Novo Testamento. Tal fato, segundo Wolfhart Pannenberg, pode levar à conclusão de que havia fórmulas batismais já em uso no primeiro século.
Os dados até aqui apresentados podem, portanto, confirmar que o Credo Apostólico não se constitui "na fórmula confessional cristã mais antiga de todas; não é apostólica no sentido de ter sido formulada textualmente pelos mesmos discípulos de Jesus. Pelo que pretende ser apostólica num sentido igualmente válido, o de se constituir num resumo objetivo da mensagem transmitida pelos apóstolos".
O credo apostólico como reação ao gnosticismo
Nos primeiros séculos e na luta contra os gnosticismos, os líderes das comunidades cristãs enfrentaram, principalmente, os debates quanto a questões cristológicas. O conflito entre o Jesus histórico e o Cristo da fé gerou amplas discussões e colaborou para que os primeiros concílios da história da Igreja Cristã fundamentassem a doutrina cristológica em termos teológicos mais definidos.
Provavelmente, foi em Roma que apareceu a fórmula germinativa do Credo. Nessa época, chamava-se "símbolo da fé". Esse nome referia-se ao meio de reconhecimento para os cristãos que desejavam guardar a reta doutrina, no meio de muitas idéias divergentes.
Assim, para que se entenda o valor do Credo como teologia e definição do objeto da fé cristã, suas afirmações fundamentais serão aqui colocadas em paralelo com o entendimento gnóstico. Esse confronto demonstra também, o quanto as doutrinas gnósticas ameaçavam as bases do cristianismo.
Creio em Deus
A primeira afirmação do Credo é : "Creio em Deus Pai, Todo-Poderoso, Criador do Céu e da Terra". Este texto é claramente antignóstico. Isso porque as tendências gnósticas afirmavam que o Deus Criador não era o Deus Pai. Faziam uma distinção entre o Deus do AT e o Deus do NT. Alguns consideravam esse Deus não um Deus mau, como Marcião, um desses pensadores, chega a afirmar. Mas, via de regra, era, pelo menos, um Deus mais fraco ou menor.
A Igreja desejava afirmar um Deus único, que se revelara em Cristo. Era um Deus soberano, detentor de todo o poder. Irineu, um dos pais da Igreja, chega a afirmar que, se assim não fora, a criação não poderia receber Cristo como um Deus encarnado. Diz Irineu:
"A criação teria podido portá-lo, se fosse obra da ignorância e da decadência? Ora, que o Verbo de Deus, após ter-se encarnado, tenha sido suspenso ao lenho é sabido, os próprios hereges confessam o Crucificado. Como, então, o produto da ignorância e da decadência houvera suportado aquele que encerra o conhecimento de todas as coisas e é verdadeiramente perfeito? Como uma criação separada do Pai haveria de suportar o seu Verbo? Ainda que fosse feita pelos anjos — quer estes ignorassem ao Deus superior a tudo, quer o conhecessem, como o Senhor disse "Eu estou no Pai e o Pai está em mim"— como poderia a obra dos anjos suportar simultaneamente o Pai e o Filho? Como uma criação exterior ao Pleroma haveria de suportar aquele que encerra todo o Pleroma? Sendo isso impossível e inverossímil, só é verdadeira a mensagem que a Igreja proclama, segundo a qual a mesma criação, que subsiste pelo poder, pela arte e sabedoria de Deus, se tornou portadora do seu Verbo: no plano invisível ela é sustentada pelo Pai e no plano visível é portadora do seu Verbo."
Além disso, o Pai recebe o título de Todo-Poderoso, que, no grego, quer dizer mais que Onipotente. O termo é pantokrator, que significa governador ou soberano de todas as coisas. Não há nada que fique fora de seu alcance. Com isso, os gnósticos, que pretendiam duas realidades, uma que serve a Deus e outra que se lhe opõe, estavam diante de uma afirmação do total poder de Deus sobre as coisas criadas, até mesmo a corruptível carne humana.
Criador do céu e da terra é a outra atribuição que lhe é feita para contrapor-se aos ensinos gnósticos. Este era o mesmo Deus e Pai de Jesus Cristo, o mesmo que cria o mundo e que deseja redimi-lo da queda ocasionada pelo pecado por meio da encarnação de seu filho.
Creio em Jesus Cristo
A segunda cláusula do Credo refere-se à figura do Deus encarnado, Jesus Cristo. Sua humanidade no Credo é mais exaltada do que sua divindade, da qual não se duvidava desde o início do confronto gnóstico. A doutrina cristológica era o motivo dos maiores impasses entre a Igreja, Marcião e o gnosticismo. Jesus Cristo é o Filho de Deus, do mesmo Deus anteriormente citado e não de outro. Acentua-se no Credo que seu nascimento é sua inserção evidente na história humana: de fato Cristo nascera. Não havia descido do céu e nem era uma aparição fantasmagórica, como alguns pensadores gnósticos pleiteavam. A afirmação de que ele morrera sob Pôncio Pilatos também tem o propósito de reforçar a historicidade da figura de Jesus, situando-o no tempo e no espaço, datando o evento de sua morte.
Da mesma forma, a crucificação, morte e ressurreição são categoricamente colocadas, para refutar o docetismo dos hereges. Ainda há uma referência à sua volta para julgar as criaturas, outra defesa da fé contra Marcião, que dizia que Deus e Pai de Jesus Cristo era amoroso e, portanto, incapaz de condenar alguém.
"Mais ainda, os primeiros cristãos, ao se referirem a Jesus como o Filho de Deus, não tinham em mente equacioná-lo com outros homens que sejam filhos de Deus. Jesus era único Filho, num sentido muito diferente daquele em que Pedro, Paulo ou Timóteo eram filhos. Toda a história da doutrina de Cristo pode bem ser considerada como uma tentativa para compreender o que significa essa diferença de filiação entre Jesus e o resto dos homens."
Creio no Espírito Santo
Ao se referir ao Espírito Santo, não há no Credo um aprofundamento maior. Realmente, na atualidade é que se tem voltado para as questões pneumáticas (relativas ao Espírito), mas era a Cristologia o que de fato preocupou a igreja nos primeiros séculos. Mas as expressões: "Na Santa Igreja de Cristo" e "ressurreição da carne" são extremamente relevantes.
A primeira frase visa reforçar a autoridade da Igreja, como guardiã das Escrituras e da Tradição Apostólica. Tertuliano afirma em seus escritos a prescrição da igreja, isto é, por muito tempo esta foi a possuidora das Escrituras e, portanto, é a única a ter o direito de tratar sobre esse tema. A própria ameaça das heresias acabou fortalecendo a posição da igreja como receptora do "depósito da fé". Com o tempo, a autoridade episcopal também foi reforçada, contribuindo até mesmo para se chegar a algumas das situações atuais da igreja com relação a isso.
A segunda colocação, referente à ressurreição do corpo, é uma resposta aos gnósticos e a Marcião. Ao professá-la, o fiel se comprometia a reconhecer a importância do corpo e das coisas físicas. A fé cristã não deveria manter-se num nível espiritualizante, mas afirmar como boa a criação de Deus. Os gnósticos, como já foi dito, tinham uma visão altamente negativa da matéria e a consideravam proscrita em relação à esperança de vida eterna. Diante disso, o Credo Apostólico afirma que a esperança cristã não se constitui algo meramente metafísico, mas engloba a totalidade da vida.
A relevância do Credo Apostólico para hoje
Através desse estudo pôde-se perceber como a evolução da fé está intrinsecamente ligada à história. Tudo o que acontece no mundo, de um modo ou de outro, altera a relação da Igreja com sua fé.
Certa vez, em uma sala de aula, um bispo metodista afirmou que a heresia pode ser considerada uma bênção, à medida em que obriga a própria igreja a definir sua fé de forma clara e precisa.
Essa foi uma das funções do Credo Apostólico. Através dele, a Igreja pôde (e ainda pode) definir-se frente a tantas controvérsias e afirmações pseudo-cristãs que, na verdade, buscam negar o firme fundamento deixado pelos apóstolos nas Escrituras do Novo Testamento, bem como a revelação de Deus dada desde o Antigo Testamento.
Ainda hoje, é preciso recorrer a esse suporte fundamental, pois nos dias atuais encontram-se em várias partes idéias gnósticas. O problema se torna ainda maior à medida em que tais coisas, camufladas sob uma forma cristã genuína, penetra nos segmentos cristãos e confundem pessoas desavisadas. O Credo é um chamado à fidelidade e por isso deve estar presente na vida, nos cultos e na fé dos afirmam a fé em Cristo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário