terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Fumaça

"A vida é como a fumaça, nem bem se fez, se desfaz
E cada instante que passa é um passo a menos e a mais,
Na direção do fim, frio, feroz, o fim de todos nós..." (João Alexandre)

A noite começou animada, cheia de risos e planos, de roupa bonita, salto alto, cabelos ao vento, beijos, abraços, amigos... a noite prometia. E eles, novos, sem preocupação, a maioria ainda sem contas a pagar, sem filhos pra sustentar, sem IPTU, sem IPVA, estavam lá... Canções e acordes, danças e sonhos... Nossos filhos estavam lá. Sim, agora são filhos de todo mundo, pois não tem quem não tenha filhos que não traga esse susto em suspense dentro do coração. Ontem mesmo perguntei aos meus alunos quantos receberam ligações de suas mães logo depois da tragédia de Santa Maria. Quase todos. Mães aflitas, perguntando: Onde você está?
Aquela noite que começou sem pretensões e entrou para a história foi uma noite de fumaça. Fumaça, símbolo do efêmero, sinal de comunicação, aviso de alerta. Fumaça tóxica, embriagante, aniquiladora. Fumaça que representou não apenas o fim da vida dos meninos e meninas de todos os lugares que ali estavam, meninos e meninas do Sul, nossos meninos e meninas... Fumaça que foi o fim da vida deles e dos sonhos, planos, projetos, aspirações de todos os pais e mães e familiares e amigos deste país.
Sim, porque ouvindo tanta gente que perdeu seus queridos, uma lição importante aprendi. Quando se perde um filho jovem, a gente perde o filho presente e o filho futuro. O que ele é e o que a gente sonhava que ele fosse... e a vida da gente precisa de sonhos constantes... Um filho morto é um sonho que não acaba, que fica em suspenso, que a gente não consegue achar o fim da história... Pais e mães que foram roubados dos seus sonhos e nunca mais dormirão da mesma forma... Sem os temores dos filhos lá longe, sem a segurança do filho cá perto, só essa ausência, doída, doida, sem fim.
Por isso mesmo, meu Deus! Vamos ter misericórdia! Não vamos nos colocar a explicar o que não tem explicação. A condenar os mortos, que nada mais sabem dessa vida... Como pode esse povo que diz servir a um Deus de amor ser tão rápido pra jogar a vida dos outros no inferno, a tecer loucuras teológicas, a se meter a entendidos do divino mistério?
Meninos foram roubados, meninas foram sequestradas à existência. Meninos e meninas... estavam vivendo o que a juventude pretensamente deve viver... Não deviam pagar com a vida por isso. É errado sempre, e injusto... A hora é de chorar, chorar, chorar... A hora é de indignar-se pelas condições equivocadas desta vida... De lamentar e de sofrer... De abraçar, de beijar, de manifestar amor e solidariedade...
Jesus mesmo disse que tragédias acontecem a todos e ninguém é melhor ou pior do que o outro... (Lc 13). Estamos sujeitos às perdas... e no meio delas somos todos humanos...
Vidas feitas fumaça numa noite qualquer... uma história pra não se esquecer, pra recontar, pra evitar... Eu peço é que o tempo passe, com seu bálsamo remediador, pra tirar a urgência da dor e abrir espaço para aquele momento mais terno das lembranças que consolam, que confortam... pra recordar, olhando as fotos e, em meio às lágrimas, de repente a gente rindo, rindo de doer a barriga, uma frase engraçada, uma peraltice da infância, uma arte, um poema escrito com letra de criança numa folha de papel... E depois o silêncio de novo, o suspiro, o erguer dos olhos para ver aqueles que continuam vivos e também esperam amor, alegria, novas razões pra sorrir...

sábado, 12 de janeiro de 2013

A pão e água (para o casamento de Samira e Silas)



E Jesus lhes disse: Eu sou o pão da vida; aquele que vem a mim não terá fome, e quem crê em mim nunca terá sede. (João 6.35-36)
Se alguém tem sede, venha a mim e beba. Quem crer em mim, do seu interior fluirão rios de águas viva. (João 7.37)

Quando alguém vive em penúria, as pessoas costumam dizer: está vivendo a pão e água. Mas não é verdade que pão e água signifiquem penúria. Esse tipo de alimento pode significar o que é mais essencial à nossa vida.
Vivemos nos alimentando de coisas que não são essenciais. Os médicos alertam sobre o consumo excessivo das coisas que contêm corantes, misturas, açúcares. Mas há sedes que só a água pode matar. Ela contém todas as propriedades necessárias para suprir uma vida. Uma pessoa sem água sobrevive poucos dias. A água é essencial e não pode ser desperdiçada.
O pão, por sua vez, é um alimento essencial. Todos os povos, dos mais desenvolvidos aos mais rústicos, possuem algum tipo de pão. De milho, de trigo, de mandioca... ele se conserva por bom tempo, é fácil de carregar e prático de comer. Está por toda parte. Normalmente, começamos nosso dia comendo pão. Ele é a energia que nos faz começar o dia.
Mas por que estou falando disso no dia de hoje? Porque Jesus usou as duas figuras – a do pão e a da água – para falar de si mesmo e de sua importância para matar a fome e a sede das pessoas. Ele se colocou como essencial. E acredito que um casamento precise desta dieta essencial para ser bem-sucedido. Desejo a vocês, Samira e Silas, um casamento a pão e água. E quero citar algumas vezes na Bíblia em que esses dois alimentos foram sinal de bênção em meio a situações de penúria. Trouxeram refrigério e renovação das forças. Foram um símbolo da presença de Deus no meio do povo.

Água em meio ao deserto
Em Gênesis 21, temos a história de Hagar: mulher, provavelmente negra, egípcia, vendida como escrava, tendo seu corpo usado como barriga de aluguel para gerar um filho para o patrão, agora desiludida e afugentada. Ela estava com sede, vendo o filho chorar no deserto, sob insolação. E ali, no meio da situação, quando ela pensa em morrer, um anjo aparece e diz para ela: Deus vê! E quando Hagar olha de novo, ela encontra uma fonte de água.
No casamento, às vezes também atravessamos desertos. Pode ser a crise no casamento mesmo, entre os cônjuges, ou pode ser a doença, o desemprego. Pode ser a dificuldade com um filho ou a luta para obter uma casa. Quantas coisas podem fazer o casamento ser um deserto! Mas Deus nos promete que ele está vendo e que vai nos prover não um copo de água, mas uma fonte! A água bastante para nos sustentar até que atravessemos o deserto! Nas horas de dificuldades, quero que lembrem a história de Agar – que mesmo estando no limite, encontrou na providência de Deus a água regeneradora, tanto do corpo como da esperança – e sigam caminhando!

Pão em meio à guerra
Certa vez, Davi estava fugindo do rei Saul quando chegou a um lugar onde havia um santuário. Ele e seus homens estavam com fome, mas não havia nada para comer (1 Samuel 21.1). Então, o sacerdote lhe deu dos pães que estavam sobre o altar, pães consagrados. Davi se alimentou da mesa do próprio Deus, do que era colocado como oferta.
Jesus é esse pão de Deus. Da mesma forma que Davi comeu daquela mesa, mesmo sendo ele pecador, nós podemos nos alimentar de Jesus e assim vencer as guerras que travamos. Há pessoas que se levantam contra nós com calúnias, mentiras, fofocas, querendo destruir nossos relacionamentos. Pessoas que duvidam de nossa capacidade de sermos felizes e querem interferir negativamente em nossos planos. Pessoas más ou que são usadas por Satanás. Se as enfrentarmos sozinhos, nosso ser não prevalecerá. Mas Jesus promete nos alimentar e nos dar força para lutar essas batalhas.
Há muita gente hoje que desacredita do amor, da família, do casamento. Que quer tornar as pessoas descartáveis, que não quer investir no outro nem querem nos ver fazendo isso, mas somos chamados a nos alimentar de Jesus para enfrentar, em unidade, as adversidades da vida a dois. E Deus não nos dá qualquer pão, ele nos dá Jesus Cristo, o pão da vida, o pão que está no altar. Ele não olha nossa limitação ou pecaminosidade, mas olha nosso desejo de servi-lo fielmente e de empregar nossa vida amando uns aos outros, muito mais no contexto da vida conjugal.
Portanto, Samira e Silas, desejo-lhes um casamento a pão e água. Um casamento alimentado por Jesus. Não se iludam com outros sabores... eles podem aparentemente saciar ou ter um gosto diferente, mas não sustentam para a corrida longa que é o casamento. Para isso, é preciso feijão com arroz, é preciso pão e água.
Assim, quero lhes abençoar... com um rito executado pelo povo da Bíblia, chamado festa do amor. E convidar vocês a saborear o pão e a água neste casamento como um alimentar-se de Deus para começar a jornada.

Ágape

·  Partilha do pão
[O pão é distribuído entre todas as pessoas que desejam dele participar. Então, é comido ao mesmo tempo, após o dirigente pronunciar a seguinte bênção:]
       Bendito és tu, Senhor, Deus do Universo, que da terra fizeste brotar o trigo e, dele, o pão, para saciar, em todos os tempos e lugares, a fome do povo. Dá-nos fome e sede de justiça e ardente desejo de repartir o pão e que possamos caminhar com Jesus, o Pão da Vida.
·  Partilha da água
[A água é distribuída em cálice comum ou em cálices individuais, dos quais todos bebem ao mesmo tempo, após o dirigente pronunciar a seguinte bênção:]
       Bendito és tu, Senhor da criação, pelas águas que regam a terra e asseguram a sua fertilidade. Para sempre sejas louvado, ó Deus da nossa salvação, pois, em Cristo, nos deste a água que jorra para a vida eterna!
·  Oração
[espontânea e/ou uma das que seguem abaixo:]
       Deus de amor, Criador e Sustentador da Vida,
envia teu Espírito Santo para renovar em nós
a comunhão contigo, entre nós
e com toda a tua criação.
Por Jesus Cristo, nosso Senhor.
Amém.
       Que Deus esteja em minha mente e em meu pensar,
Que Deus esteja em meus olhos e em meu olhar,
Que Deus esteja no meu coração e no meu sentir,
Que Deus esteja em nossa união e em nosso compartilhar,
Que Deus esteja em meu fim e no meu partir. Amém.
       (Da Liturgia de São Patrício)

O povo do coração aquecido

“O justo viverá pela fé” (Romanos 1:17, Habacuque 2:4, Gálatas 3:11, Hebreus 10.38) Uma experiência de mais de um dia John Wesley era um jov...