domingo, 5 de abril de 2015

Ontem

Ontem... hoje... (uma imaginação acerca das mulheres que foram ao túmulo de Jesus)

Ontem, eu vi Jesus Cristo pendurado na cruz. Vi seus olhos cerrados, seu lado ferido, suas mãos e pés transpassados. Vi a esperança morta nos olhos dos Seus discípulos, o desespero nas lágrimas das mulheres, a indiferença no rosto dos poderosos. Por um momento, parece até que vi o próprio inferno em festa na multidão que gritara: Crucifica-O! Crucifica-O!
Ontem, quando olhei para o alto, eu vi o luto do céu. Às três horas da tarde, tudo escureceu porque os anjos não podiam contemplar a tamanha maldade humana. Deus fechou Seus olhos por um momento diante do último suspiro de Seu filho amado. As nuvens se escureceram como se uma grande tempestade fosse desabar em lágrimas da natureza sobre o próprio autor da vida, tomado pela morte. O sol se recusou a dar a sua luz, para que seus raios não se refletissem no suor da testa de Jesus, nem nas gotas de sangue e água que escorriam de seu lado ferido. O vento se recusou a soprar para que o cheiro do sangue derramado ficasse suspenso no ar, nos lembrando de que o salário do pecado é a morte – o salário do nosso pecado, pago por Jesus, o mais perfeito sacrifício que se podia esperar.
Ontem, quando fui ao templo, eu vi o anseio de Deus em romper toda separação. De alto a baixo, o véu do templo se rasgou, pois agora não faz sentido nenhum segredo, nenhum lugar secreto, porque Ele Se fez gente para que todos pudessem ver Seu rosto, olhá-Lo nos olhos e tomar uma decisão definitiva. O Santíssimo Lugar agora, mais do que nunca, deveria ser o coração de cada pessoa. Não havia mais necessidade de peregrinar até Jerusalém, se os pés sagrados de Deus já haviam andado por toda parte da Judéia e até da Samaria, unindo os povos brigados nos laços de amor do mesmo Deus que estava no templo e no poço, em Sião e em Gerizim. Ontem, eu vi o silêncio dos seguidores perdidos... vi a decepção da gente do meu povo tão sofrido, esperando redenção.
Um túmulo novo para um morto sem nobreza. Linho puro para cobrir um corpo sujo, ferido, sangrado. Nem tempo para funerais, para cumprir os costumes, para cuidar e embalsamar. Funeral feito às pressas, que nem funeral de bandido, de marginal, de malfeitor...
Mas tudo foi ontem. Hoje, uma brisa nova passa por cima da terra. O cheiro do sangue se foi. Os espinhos parecem esquecidos, porque vejo brotos e flores por toda parte. Enquanto me aproximo do túmulo, penso nisso. Trago perfume nas mãos e tristeza na alma. E no espanto que sinto, vejo a pedra fora do lugar. Receosa, caio de joelhos, na expectativa, no medo, na esperança, no desapontamento... Será? É a pergunta que me vem à mente... Será que é possível? Olho em meus braços e tudo o que tenho nas mãos de repente se torna inútil... Para que levar perfumes e bálsamos, se não existe mais morte a lamentar? Isso tudo foi ontem e o ontem, graças a Deus, já passou.

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