sexta-feira, 26 de agosto de 2022

Seguir a Jesus e o processo da maturidade espiritual (pensando a partir do livro "Em seus passos, o que faria Jesus")


Max Lucado, em um de seus textos, fala de um menino seguindo os passos do pai. Ele tem as pernas curtas e segue seu pai pela areia da praia. Ele observa atentamente as pegadas do pai e se estica para que seus pés pequenos se encaixem nas pegadas no chão. E quando a areia molha, ele olha rapidamente para cima, acompanhando a direção do corpo do pai. E ele sorri, dando pequenos saltos.

Como é fácil a imitação quando somos pequenos! Nossa admiração por alguém – um pai, uma mãe, um professor – nos faz rapidamente imitar aquela pessoa. Falamos igual, andamos igual, vestimos igual. Gostamos das mesmas coisas e queremos, intencionalmente, gerar identificação. Nossa alegria e prazer é quando alguém nos diz: “Você é cara do fulano”; “Você me lembra fulano de tal”.

Mas depois de algum tempo, especialmente quando entramos na adolescência, vem o desejo – normal – de ter uma identidade própria. Não queremos mais ser parecidos com ninguém. Ansiamos por uma singularidade, por algo que somente a nós pertença. Quando desenvolvemos bem esta fase, podemos perceber que a identidade saudável possui uma parte de autonomia e uma parte de imitação. É como se a criança crescesse seguindo seu pai na praia e logo não andasse mais correndo atrás dele, mas imitasse paripasso, andando a seu lado. É isso o que Deus anseia para nós. Uma imitação madura de Cristo.

Quando a identificação, porém, não é boa, corremos o risco de gerar uma identidade baseada na total rejeição de tudo o que até então imitamos e, a depender do caso, isso pode melhorar ou piorar a nossa situação. É como Manassés, o rei do Antigo Testamento, que decidiu negar toda a tradição de Davi. E seu filho, Josias, que decide retomá-la. Trata-se de saber como e a quem imitar... isso requer maturidade.

Stanley Jones conta a seguinte história em um dos seus textos: “Um bispo pomposo que visitava uma aldeia na Índia perguntou a algumas pessoas candidatas ao batismo: ‘O que é ser cristão?’, e esperava uma resposta teológica. Em vez disso, elas disseram: ‘Viver como o senhor Murray’. O senhor Murray era o missionário que lhes ensinava. A palavra do cristianismo havia-se feito carne nele. Foi assim em Jesus.” É preciso a imitação para chegar à essência do que é o Cristianismo.

Imitar Jesus em quê?

Quando se fala em imitar Jesus, muita gente quer fazer isso na parte boa da coisa. Adoraríamos se pudéssemos ter o poder curador de Cristo. Admiramos sua sagacidade e respostas rápidas. Gostaríamos de sua inteligência nas Escrituras e certamente sua inteligência emocional nos provoca uma boa inveja... mas não gostaríamos de ter de imitá-lo em seu sofrimento, em sua entrega, em sua humildade, em sua profunda consciência de serviço, em sua abnegação. Mas é aí que está, porque não é possível uma coisa sem a outra.

A criança que imita o pai em seu modo de andar, em seu vocabulário e em seu comportamento logo apreenderá do seu caráter. Se o pai é bom, é provável que o filho desenvolva valores peculiares à bondade. Se a mãe é servidora e atenta, sua filha certamente o será. É fácil observar.

Mas há outras coisas que um pai ou uma mãe, por melhores que sejam, não poderão ensinar. Há caminhos que os filhos e filhas trilharão sozinhos e aí é que aparece a maturidade nas decisões. E chega o tempo do “custe o que custar”.

Os cristãos e cristãs não foram reconhecidos assim em Antioquia por causa dos milagres realizados ou pelo aspecto sobrenatural de sua vida. Era na prática do dia a dia que geravam interesse e curiosidade. E quando as pessoas entendiam quem era Jesus, era como se dissessem: “Ah, agora entendi tudo! É por isso que eles agem assim. É por isso que são como são... eles são imitadores de Cristo”. Tinha a ver com comportamentos e posturas que lembravam o mestre e que eram fruto de seu caráter.

Jesus seria um negociante como eu?

 No livro “Em seus passos, o que faria Jesus”, o autor nos conta desse propósito assumido por uma igreja depois da experiência marcante de ter um estranho desafiando a sua forma de viver a fé. E eles decidem: “Nosso alvo será agir da forma como ele agiria se estivesse no nosso lugar, quaisquer que sejam os resultados imediatos”. Vemos isso na vida do pastor e de diversos membros. E os desafios práticos logo aparecem...

A partir do capítulo 3, temos o Norman. Ele é um jornalista, um dono de um jornal. Ao aceitar o desafio proposto pelo pastor, primeiramente ele se vê diante da escolha ética do que publicar no jornal. Na experiência dele, colocar uma notícia sobre uma luta de boxe contrariava os valores de Cristo. Talvez porque esse tipo de esporte envolve uma violência? Apesar de isso não ficar muito esclarecido no livro, há muitas questões éticas que poderíamos levantar para que a dúvida sobre publicar ou não a notícia fosse tão dramática para o autor... Naquele tempo, o esporte não tinha tantas regras como hoje em dia, mas logo se descobriu que o boxe pode provocar tantos problemas mentais que diversos campeões antigos morriam em decorrência de Alzheimer e outras formas de demência. Também encontramos nesse tipo de esporte uma série de vícios secundários, como apostas, por exemplo.

O cristianismo em geral tem dificuldades com o tema dos jogos por esses motivos gerais de serem “de azar” – o que poderia estimular a dependência que gerava grandes perdas financeiras e até a quebradeira de muitos pais de família. Apesar de isso não ficar claro no livro, gostaria de imaginar o cenário em que o autor do livro está escrevendo. A gente até se lembra de um manifesto escrito por João Wesley no seu tempo, em que ele questiona o aumento dos preços dos alimentos e atribui muito daquilo a coisas que não apareciam à primeira vista, como a produção de bebidas destiladas e até a criação de cavalos por pessoas da alta sociedade!

Imitar então, a Jesus, neste caso, é perguntar se aquilo que eu estou fazendo contribui ou não para a rede de coisas que causam danos às pessoas. Stanley Jones, no livro “O caminho”, afirma que “luxos são coisas que eu tenho às custas da dificuldade de outras pessoas”. Se a riqueza que eu posso ou a facilidade que eu tenho custa a alguém algo essencial, então seguir a Jesus significa abrir mão dessa coisa ou pelo menos uma profunda consciência de que uma injustiça está acontecendo aqui e uma proposição de agir de modo a superar isso.

O dono do jornal entende que, de algum modo, aquela notícia é uma forma fraudulenta de fazer dinheiro. E decide agir de acordo com o que ele pensa que Jesus faria. Ele imagina que isso deve trazer uma certa confusão, mas de verdade ele não está preparado para as reais consequências. Ele tenta usar sua riqueza para sustentar os meninos de rua que vendem seus exemplares, mas logo depois percebe que não vai escapar às consequências de seguir a Jesus. Não se podem evitar os danos desse seguimento.

Mas ele decide ir adiante. E começa a ver que os anúncios que publica também não combinam com o seguimento de Cristo. Ele decide cortá-los. Eu me lembro de uma palestra do Summit em que o pregador falava sobre o texto de Jesus com os cambistas do templo. Ele falou o seguinte: “Jesus derrubou as mesas dos cambistas que estavam no lugar religioso. Corremos o risco de estarmos nós mesmos nessas mesas. E é muito difícil derrubar as mesas nas quais estamos confortavelmente sentados”.

Eu sofreria o dano em meu trabalho, em meu lucro e em minha reputação para imitar Jesus? Como é a minha relação com as pessoas com quem me relaciono no meu trabalho? Eu as sirvo ou eu me sirvo delas? Eu ajo com justiça? Trato com respeito? Considero suas realidades? Aos meus superiores, como me dirijo? Com despeito, engano, mentiras? Tento me safar de alguma coisa que pode me prejudicar? São perguntas a nos fazer no momento da confissão de pecados. São perguntas a fazer no dia a dia. Imitar a Jesus significa perguntar pelas verdadeiras motivações que temos no dia a dia, e não na forma religiosa como nos comportamos quando estamos no ambiente do sagrado.

"Depois de pedirmos ao Espírito para nos dizer o que Jesus faria e termos recebido uma resposta para isso, devemos agir independentemente dos resultados para nós mesmos." (from "Em seus passos o que faria Jesus" by Charles Sheldon)

Quando recebemos o desafio de seguir a Jesus no discipulado, a primeira coisa que sentimos é o desconforto. Com as nossas vontades, com os nossos desejos, com a nossa chamada “zona de conforto”. Sabendo disso, Jesus age conosco com amor. Ele nos desafia a aprender com o que os americanos chamam de “baby steps” – pequenos passos, passos de bebê.

Quando ele estava para ir à cruz, ele também nos dá um precioso legado para que possamos atingir a maturidade de não apenas pisar nas pegadas dele, como a criança pequena, mas a crescer ao ponto de “andar no mesmo ritmo” – a imitação madura de Cristo. Ele afirma: “Eu ainda tenho muitas verdades que desejo vos dizer, mas seria demais para o vosso entendimento neste momento. No entanto, quando o Espírito da verdade vier, Ele vos guiará em toda a verdade; porque não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos revelará tudo o que está por vir.”

Este texto é usado no livro “Em seus passos”, quando uma personagem, membro da igreja, pergunta ao pastor: "Estou um pouco em dúvida quanto à fonte de nosso conhecimento sobre o que Jesus faria. Quem pode decidir por mim exatamente o que Ele faria no meu caso? É uma época diferente. Existem muitas questões desconcertantes em nossa civilização que não são mencionados nos ensinamentos de Jesus. Como vou dizer o que Ele faria? "" (from "Em seus passos o que faria Jesus" by Charles Sheldon).

Existem hoje várias coisas que não existiam na época de Jesus. Muitas que não existiam quando Sheldon escreveu seu livro. Mas a imitação madura de Cristo vai além da imitação de seus atos e se concentra no seu caráter. Este caráter é revelado pelo Espírito Santo. Há coisas que Cristo não exigirá de seus discípulos num determinado momento, como ele disse, “porque é demais para nós”. É como uma criança que aprende primeiro que apenas os números pares são divisíveis por dois, mas depois que se habita à ideia dos números inteiros compreende o conceito dos números fracionados. Quanto mais ela se desenvolve no conhecimento, mais capacidade tem de absorver conhecimentos novos. Imitar a Jesus é um processo de amadurecimento. Independente de nossa idade. Podemos ter jovens pequenos que sabem muito mais imitar a Cristo do que adultos e até gente de cabeça branca. Qual talvez seja a diferença? O desprendimento.

O pastor Maxwell diz: "Depois de pedirmos ao Espírito para nos dizer o que Jesus faria e termos recebido uma resposta para isso, devemos agir independentemente dos resultados para nós mesmos." (from "Em seus passos o que faria Jesus" by Charles Sheldon). A maturidade está no final da frase: “independentemente dos resultados para nós mesmos”.

Estamos quase sempre querendo aquilo que nos agrada, nos dá segurança ou nos promove, nos coloca em evidência e gera admiração nos outros. Seguir a Cristo significa tomar a cruz e isso pode implicar em fracassar, em nada dar certo ou sentir-se do lado errado dos acontecimentos. De fato, para a maioria dos cristãos fiéis, significou na história até mesmo a morte. Não é uma maturidade que possamos ter de nós mesmos para tanto. É por isso que Jesus mesmo disse: “Eu não posso dizer agora. Mas o Espírito Santo virá. Ele vai fazer vocês entenderem.”

Como ser humano, Jesus não poderia estar dentro de nós para nos dar a coragem necessária neste passo de fé. Como Espírito, ele está em toda parte e dentro de nós em todo o tempo. Ele é a voz suprema da nossa consciência, nos ensinando a sair de trás no seguimento e a entrar no ritmo dos passos de Jesus. Ele nos ensina a identidade autêntica, que vai da imitação mecânica para a transformação profunda. Só segue a Jesus de modo maduro quem passa pela conversão. E a conversão é um trabalho do Espírito. Ela não se resume a erguer a mão, batizar-se e integrar uma igreja. A conversão, como o livro que lemos também nos mostra, se concentra em permanecer nele.

Desafio

Eu sei que se nós orarmos o Espírito nos revelará o que devemos fazer. O que falta ou o que está em excesso, nos travando e nos prendendo. Olhamos para esta igreja e vemos que, se ouvíssemos mais ao Senhor, certamente algo a mais estaria diferente em nós.

Quero orar para que Deus remova nosso medo de ouvi-lo. Temos medo do que ele possa dizer. Temos medo porque não poderemos “desouvir”, mas isso implicará responsabilidade. Talvez não esteja em nós a força para realizar tudo. Talvez nossa tarefa seja abrir espaço, incentivar e estimular. Seja sair do lugar de sabe-tudo para fazer boas perguntas. Seja o de nos tornarmos financiadores na vida de outros e outras. Eu não sei. Mas a forma como realizamos os negócios diários esteja diretamente ligado à forma como negociamos na vida da fé ou com Deus. Devemos refletir sobre isso e tomar a melhor decisão. A decisão da maturidade e da imitação autônoma, que não depende de aprovação humana mas que faz ecoar o céu dentro de nós. Que Deus nos abençoe.

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