Max Lucado, em um de seus textos, fala de um menino seguindo os passos do pai. Ele tem as pernas curtas e segue seu pai pela areia da praia. Ele observa atentamente as pegadas do pai e se estica para que seus pés pequenos se encaixem nas pegadas no chão. E quando a areia molha, ele olha rapidamente para cima, acompanhando a direção do corpo do pai. E ele sorri, dando pequenos saltos.
Como é fácil a
imitação quando somos pequenos! Nossa admiração por alguém – um pai, uma mãe,
um professor – nos faz rapidamente imitar aquela pessoa. Falamos igual, andamos
igual, vestimos igual. Gostamos das mesmas coisas e queremos, intencionalmente,
gerar identificação. Nossa alegria e prazer é quando alguém nos diz: “Você é
cara do fulano”; “Você me lembra fulano de tal”.
Mas depois de algum
tempo, especialmente quando entramos na adolescência, vem o desejo – normal –
de ter uma identidade própria. Não queremos mais ser parecidos com ninguém.
Ansiamos por uma singularidade, por algo que somente a nós pertença. Quando
desenvolvemos bem esta fase, podemos perceber que a identidade saudável possui
uma parte de autonomia e uma parte de imitação. É como se a criança crescesse
seguindo seu pai na praia e logo não andasse mais correndo atrás dele, mas
imitasse paripasso, andando a seu lado. É isso o que Deus anseia para nós. Uma
imitação madura de Cristo.
Quando a
identificação, porém, não é boa, corremos o risco de gerar uma identidade
baseada na total rejeição de tudo o que até então imitamos e, a depender do
caso, isso pode melhorar ou piorar a nossa situação. É como Manassés, o rei do
Antigo Testamento, que decidiu negar toda a tradição de Davi. E seu filho,
Josias, que decide retomá-la. Trata-se de saber como e a quem imitar... isso
requer maturidade.
Stanley Jones conta a
seguinte história em um dos seus textos: “Um bispo pomposo que visitava uma
aldeia na Índia perguntou a algumas pessoas candidatas ao batismo: ‘O que é ser
cristão?’, e esperava uma resposta teológica. Em vez disso, elas disseram: ‘Viver
como o senhor Murray’. O senhor Murray era o missionário que lhes ensinava. A
palavra do cristianismo havia-se feito carne nele. Foi assim em Jesus.” É
preciso a imitação para chegar à essência do que é o Cristianismo.
Imitar Jesus em quê?
Quando se fala em
imitar Jesus, muita gente quer fazer isso na parte boa da coisa. Adoraríamos se
pudéssemos ter o poder curador de Cristo. Admiramos sua sagacidade e respostas
rápidas. Gostaríamos de sua inteligência nas Escrituras e certamente sua
inteligência emocional nos provoca uma boa inveja... mas não gostaríamos de ter
de imitá-lo em seu sofrimento, em sua entrega, em sua humildade, em sua
profunda consciência de serviço, em sua abnegação. Mas é aí que está, porque
não é possível uma coisa sem a outra.
A criança que imita o
pai em seu modo de andar, em seu vocabulário e em seu comportamento logo
apreenderá do seu caráter. Se o pai é bom, é provável que o filho desenvolva
valores peculiares à bondade. Se a mãe é servidora e atenta, sua filha
certamente o será. É fácil observar.
Mas há outras coisas
que um pai ou uma mãe, por melhores que sejam, não poderão ensinar. Há caminhos
que os filhos e filhas trilharão sozinhos e aí é que aparece a maturidade nas
decisões. E chega o tempo do “custe o que custar”.
Os cristãos e cristãs
não foram reconhecidos assim em Antioquia por causa dos milagres realizados ou
pelo aspecto sobrenatural de sua vida. Era na prática do dia a dia que geravam
interesse e curiosidade. E quando as pessoas entendiam quem era Jesus, era como
se dissessem: “Ah, agora entendi tudo! É por isso que eles agem assim. É por
isso que são como são... eles são imitadores de Cristo”. Tinha a ver com
comportamentos e posturas que lembravam o mestre e que eram fruto de seu
caráter.
Jesus seria um
negociante como eu?
No livro “Em seus passos, o que faria Jesus”,
o autor nos conta desse propósito assumido por uma igreja depois da experiência
marcante de ter um estranho desafiando a sua forma de viver a fé. E eles
decidem: “Nosso alvo será agir da forma como ele agiria se estivesse no nosso
lugar, quaisquer que sejam os resultados imediatos”. Vemos isso na vida do
pastor e de diversos membros. E os desafios práticos logo aparecem...
A partir do capítulo
3, temos o Norman. Ele é um jornalista, um dono de um jornal. Ao aceitar o
desafio proposto pelo pastor, primeiramente ele se vê diante da escolha ética
do que publicar no jornal. Na experiência dele, colocar uma notícia sobre uma
luta de boxe contrariava os valores de Cristo. Talvez porque esse tipo de
esporte envolve uma violência? Apesar de isso não ficar muito esclarecido no
livro, há muitas questões éticas que poderíamos levantar para que a dúvida
sobre publicar ou não a notícia fosse tão dramática para o autor... Naquele
tempo, o esporte não tinha tantas regras como hoje em dia, mas logo se
descobriu que o boxe pode provocar tantos problemas mentais que diversos
campeões antigos morriam em decorrência de Alzheimer e outras formas de
demência. Também encontramos nesse tipo de esporte uma série de vícios
secundários, como apostas, por exemplo.
O cristianismo em
geral tem dificuldades com o tema dos jogos por esses motivos gerais de serem
“de azar” – o que poderia estimular a dependência que gerava grandes perdas
financeiras e até a quebradeira de muitos pais de família. Apesar de isso não
ficar claro no livro, gostaria de imaginar o cenário em que o autor do livro
está escrevendo. A gente até se lembra de um manifesto escrito por João Wesley
no seu tempo, em que ele questiona o aumento dos preços dos alimentos e atribui
muito daquilo a coisas que não apareciam à primeira vista, como a produção de
bebidas destiladas e até a criação de cavalos por pessoas da alta sociedade!
Imitar então, a Jesus,
neste caso, é perguntar se aquilo que eu estou fazendo contribui ou não para a
rede de coisas que causam danos às pessoas. Stanley Jones, no livro “O
caminho”, afirma que “luxos são coisas que eu tenho às custas da dificuldade de
outras pessoas”. Se a riqueza que eu posso ou a facilidade que eu tenho custa a
alguém algo essencial, então seguir a Jesus significa abrir mão dessa coisa ou
pelo menos uma profunda consciência de que uma injustiça está acontecendo aqui
e uma proposição de agir de modo a superar isso.
O dono do jornal
entende que, de algum modo, aquela notícia é uma forma fraudulenta de fazer
dinheiro. E decide agir de acordo com o que ele pensa que Jesus faria. Ele
imagina que isso deve trazer uma certa confusão, mas de verdade ele não está
preparado para as reais consequências. Ele tenta usar sua riqueza para
sustentar os meninos de rua que vendem seus exemplares, mas logo depois percebe
que não vai escapar às consequências de seguir a Jesus. Não se podem evitar os
danos desse seguimento.
Mas ele decide ir
adiante. E começa a ver que os anúncios que publica também não combinam com o
seguimento de Cristo. Ele decide cortá-los. Eu me lembro de uma palestra do
Summit em que o pregador falava sobre o texto de Jesus com os cambistas do
templo. Ele falou o seguinte: “Jesus derrubou as mesas dos cambistas que
estavam no lugar religioso. Corremos o risco de estarmos nós mesmos nessas
mesas. E é muito difícil derrubar as mesas nas quais estamos confortavelmente
sentados”.
Eu sofreria o dano em
meu trabalho, em meu lucro e em minha reputação para imitar Jesus? Como é a
minha relação com as pessoas com quem me relaciono no meu trabalho? Eu as sirvo
ou eu me sirvo delas? Eu ajo com justiça? Trato com respeito? Considero suas
realidades? Aos meus superiores, como me dirijo? Com despeito, engano,
mentiras? Tento me safar de alguma coisa que pode me prejudicar? São perguntas
a nos fazer no momento da confissão de pecados. São perguntas a fazer no dia a
dia. Imitar a Jesus significa perguntar pelas verdadeiras motivações que temos
no dia a dia, e não na forma religiosa como nos comportamos quando estamos no
ambiente do sagrado.
"Depois de pedirmos ao Espírito para nos
dizer o que Jesus faria e termos recebido uma resposta para isso, devemos agir
independentemente dos resultados para nós mesmos." (from "Em seus
passos o que faria Jesus" by Charles Sheldon)
Quando recebemos o
desafio de seguir a Jesus no discipulado, a primeira coisa que sentimos é o
desconforto. Com as nossas vontades, com os nossos desejos, com a nossa chamada
“zona de conforto”. Sabendo disso, Jesus age conosco com amor. Ele nos desafia
a aprender com o que os americanos chamam de “baby steps” – pequenos passos,
passos de bebê.
Quando ele estava para
ir à cruz, ele também nos dá um precioso legado para que possamos atingir a
maturidade de não apenas pisar nas pegadas dele, como a criança pequena, mas a
crescer ao ponto de “andar no mesmo ritmo” – a imitação madura de Cristo. Ele
afirma: “Eu ainda tenho muitas verdades que desejo vos
dizer, mas seria demais para o vosso entendimento neste momento. No entanto,
quando o Espírito da verdade vier, Ele vos guiará em toda a verdade; porque não
falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos revelará tudo o que
está por vir.”
Este
texto é usado no livro “Em seus passos”, quando uma personagem, membro da
igreja, pergunta ao pastor: "Estou um pouco em dúvida quanto à fonte
de nosso conhecimento sobre o que Jesus faria. Quem pode decidir por mim
exatamente o que Ele faria no meu caso? É uma época diferente. Existem muitas
questões desconcertantes em nossa civilização que não são mencionados nos
ensinamentos de Jesus. Como vou dizer o que Ele faria? "" (from
"Em seus passos o que faria Jesus" by Charles Sheldon).
Existem hoje várias coisas que não existiam na
época de Jesus. Muitas que não existiam quando Sheldon escreveu seu livro. Mas a
imitação madura de Cristo vai além da imitação de seus atos e se concentra no
seu caráter. Este caráter é revelado pelo Espírito Santo. Há coisas que Cristo
não exigirá de seus discípulos num determinado momento, como ele disse, “porque
é demais para nós”. É como uma criança que aprende primeiro que apenas os
números pares são divisíveis por dois, mas depois que se habita à ideia dos
números inteiros compreende o conceito dos números fracionados. Quanto mais ela
se desenvolve no conhecimento, mais capacidade tem de absorver conhecimentos
novos. Imitar a Jesus é um processo de amadurecimento. Independente de nossa
idade. Podemos ter jovens pequenos que sabem muito mais imitar a Cristo do que
adultos e até gente de cabeça branca. Qual talvez seja a diferença? O
desprendimento.
O pastor Maxwell diz: "Depois
de pedirmos ao Espírito para nos dizer o que Jesus faria e termos recebido uma
resposta para isso, devemos agir independentemente dos resultados para nós
mesmos." (from "Em seus passos o que faria Jesus" by Charles
Sheldon). A maturidade está no final da frase: “independentemente dos
resultados para nós mesmos”.
Estamos quase sempre querendo aquilo que nos
agrada, nos dá segurança ou nos promove, nos coloca em evidência e gera
admiração nos outros. Seguir a Cristo significa tomar a cruz e isso pode
implicar em fracassar, em nada dar certo ou sentir-se do lado errado dos
acontecimentos. De fato, para a maioria dos cristãos fiéis, significou na
história até mesmo a morte. Não é uma maturidade que possamos ter de nós mesmos
para tanto. É por isso que Jesus mesmo disse: “Eu não posso dizer agora. Mas o
Espírito Santo virá. Ele vai fazer vocês entenderem.”
Como ser humano, Jesus não poderia estar dentro
de nós para nos dar a coragem necessária neste passo de fé. Como Espírito, ele
está em toda parte e dentro de nós em todo o tempo. Ele é a voz suprema da
nossa consciência, nos ensinando a sair de trás no seguimento e a entrar no
ritmo dos passos de Jesus. Ele nos ensina a identidade autêntica, que vai da
imitação mecânica para a transformação profunda. Só segue a Jesus de modo
maduro quem passa pela conversão. E a conversão é um trabalho do Espírito. Ela
não se resume a erguer a mão, batizar-se e integrar uma igreja. A conversão,
como o livro que lemos também nos mostra, se concentra em permanecer nele.
Desafio
Eu sei que se nós orarmos o Espírito nos revelará o que
devemos fazer. O que falta ou o que está em excesso, nos travando e nos
prendendo. Olhamos para esta igreja e vemos que, se ouvíssemos mais ao Senhor,
certamente algo a mais estaria diferente em nós.
Quero orar para que Deus remova nosso medo de ouvi-lo.
Temos medo do que ele possa dizer. Temos medo porque não poderemos “desouvir”,
mas isso implicará responsabilidade. Talvez não esteja em nós a força para
realizar tudo. Talvez nossa tarefa seja abrir espaço, incentivar e estimular.
Seja sair do lugar de sabe-tudo para fazer boas perguntas. Seja o de nos
tornarmos financiadores na vida de outros e outras. Eu não sei. Mas a forma
como realizamos os negócios diários esteja diretamente ligado à forma como negociamos
na vida da fé ou com Deus. Devemos refletir sobre isso e tomar a melhor
decisão. A decisão da maturidade e da imitação autônoma, que não depende de
aprovação humana mas que faz ecoar o céu dentro de nós. Que Deus nos abençoe.
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