O ser humano tem mania de ver tudo a partir de opostos:
branco x preto; verdade x mentira e também espiritual x material, secular x
sagrado. Nesse contexto, muitas vezes surge uma oposição entre o intelecto, a
razão humana e o espiritual. A gente encontra uma série de pessoas, em nosso
segmento cristão, que veem com dificuldade o processo de conciliar estudos e
espiritualidade. Mesmo quem entra num seminário pode desenvolver a ideia de que
está ali apenas para cumprir uma etapa, um “mal necessário” para chegar a ter
um título e desenvolver um ministério.
Porém, a teologia e seu estudo estão na base de tudo o que
fazemos. Quando expomos o Evangelho, o fazemos a partir de pressupostos de
pessoas que interferiram em nosso entendimento, conhecendo a gente ou não,
gostando ou não. Por exemplo, a palavra Trindade, que tanto usamos em nossas
explorações doutrinárias, não é bíblica. De onde ela vem? Quem a pronunciou?
Quem deu a ela o sentido que usamos de forma tão sólida? Tertualiano, um dos
pais da Igreja, que viveu entre 150 e 220 d.C., aproximadamente. E quando
falamos em Reino do Céu, cidadão do céu e termos parecidos? Podemos estar nos
referindo ao pensamento de outro teólogo cristão africano, Agostinho de Hipona!
Fazemos teologia a todo o tempo. Nosso jeito de orar, de
cantar, de pregar, de ler a Bíblia, em suas especificidades em cada igreja
cristã no mundo são nosso modo de fazer o que no campo dos estudos se chama de
Teologia Prática. Desta forma, é bom que a gente traga à mente alguns conceitos
de teologia que podem enriquecer esse debate, superando as dicotomias entre
estudo e espiritualidade, para demonstrar que maneiras o estudo da teologia é
fundamental para o crescimento na fé e para a vida abundante de nós mesmos,
enquanto pastores, pastoras e líderes, e para a membresia de nossas igrejas.
O
que é a teologia?
Teologia é um jeito de falar
sobre o corpo.
O corpo dos sacrificados.
São os corpos que pronunciam
o nome sagrado:
Deus...
A teologia é um poema do
corpo,
o corpo orando,
o corpo dizendo as suas
esperanças,
falando sobre o seu medo de
morrer,
sua ânsia de imortalidade,
apontando para utopias,
espadas transformadas em
arados,
lanças fundidas em
podadeiras...
Por meio desta fala
os corpos se dão as mãos,
se fundem num abraço de
amor,
e se sustentam para resistir
e para caminhar.
(Rubem Alves)
Gosto muito dessa definição do Rubem Alves, porque ela
coloca a teologia no seu lugar fundante. Ela nunca poderia almejar ser uma
definição de Deus, nem explicar Deus. Quando fazemos isso, estamos longe de
poder teologar. Deus, em Si mesmo, é indizível. É mistério. Tudo o que podemos
fazer é buscar compreender de que formas podemos nos relacionar com aquilo que
Ele nos revela, nos faz entender. A teologia é um esforço humano de se
aproximar do divino. É algo tão válido que Deus vai se deixando revelar,
compreender, conforme esse esforço. Vou me concentrar aqui, portanto, em falar
de teologia sempre numa perspectiva cristã. Deus se revela, nós buscamos
compreendê-lo.
Rubem Alves neste texto nos mostra que a teologia é concreta: acontece no nosso corpo, responde às
questões deste corpo, é engajada. Um conhecimento teológico que fique no campo
do achismo não é conhecimento. Queremos teologar para saber por que nascemos,
para que existimos, por que a doença dói e por que a morte mata. São coisas
tangíveis, reais, dolorosas ou angustiantes que nos movem na busca de conhecer,
de responder à indagação: “A vida é isso aqui ou tem mais? Há um propósito para
mim neste mundo?”
Nosso propósito é conhecer para crescer enquanto ser humano,
para nos aproximar daquele alvo que é estar mais perto de Deus. A meu ver, é um
retorno a Gênesis 2-3, aquela imagem Dele em nós antes da queda – o ser humano
mais humano é o melhor espelho de Deus que podemos ter. Deus Se revelou
naqueles primeiros seres, no Seu jardim especial. Por isso, um conhecimento que
não se preocupa se as pessoas têm o que comer, o que vestir, como estudar, se
estão em condições de cuidado e justiça, se não lhes é dada a condição ideal
para um encontro com Deus em plenitude de vida, então esse teologar é falso e
entra no campo das fábulas descritas por Paulo a Timóteo. Devemos seguir o
conselho do apóstolo e fugir delas, pois são profanas e não agregam.
O que é conhecimento?
Em Oseias 4, diz: "Meu povo perece por falta de
conhecimento". A partir deste texto, acusamos as pessoas de serem
alienadas religiosa, política e afetivamente. Dizemos que é culpa delas por
serem tão ignorantes. Gritamos que o povo não sabe votar, nem escolher, nem
tomar decisões. Mas observemos no contexto:
Ouvi a palavra do Senhor, filhos de Israel! Porque o
Senhor está em litígio com os habitantes da terra. Não há sinceridade nem bondade,
nem conhecimento de Deus na terra. Juram falso, assassinam, roubam, cometem
adultério, usam de violência e acumulam homicídio sobre homicídio. Por isso, a
terra está de luto e todos os seus habitantes perecem; os animais selvagens, as
aves do céu, e até mesmo os peixes do mar desaparecem. Entretanto, ninguém
poderá acusar {o povo}, nem o repreender, mas eu censuro a ti, ó sacerdote.
Na referência bíblica, a pessoa responsável pela transmissão
do conhecimento ao povo, em prover-lhe condições para desenvolver seu
discernimento e seguir a Deus é a figura sacerdotal. O papel do teólogo e da
teóloga, portanto, é gerar um conhecimento que alcance a todas as pessoas, ao
povo, dando-lhe apontamentos seguros para que possa caminhar rumo à salvação,
ou seja, impedindo que “ele pereça por falta de conhecimento”. Agostinho
afirma: “Sequer poderíamos crer se não tivéssemos mentes racionais”. Que
conhecimento seria esse?
Primeiramente, é um conhecimento
que requer investimento de nossa parte. Ele não é raso, não é simples e não
pode ser achado em pesquisas rápidas no Google. Ele é, ao contrário, exigente. O
fundador da Igreja Metodista, João Wesley, assim se expressou, em 17 de agosto de 1760, a um pregador chamado
John Trembath, por meio de uma carta na qual o exortava a preparar-se
adequadamente para o ofício da pregação:
O que tem lhe prejudicado excessivamente nos últimos
tempos e, temo que seja o mesmo atualmente, é a carência de leitura. Eu
raramente conheci um pregador que lesse tão pouco. E talvez por negligenciar a
leitura, você tenha perdido o gosto por ela. Por esta razão, o seu talento na
pregação não se desenvolve. Você é apenas o mesmo de há sete anos. É vigoroso,
mas não é profundo; há pouca variedade; não há sequência de argumentos. Só a
leitura pode suprir esta deficiência, juntamente com a meditação e a oração
diária. Você engana a si mesmo, omitindo isso. Você nunca poderá ser um
pregador fecundo nem mesmo um crente completo. Vamos, comece! Estabeleça um
horário para exercícios pessoais. Poderá adquirir o gosto que não tem; o que no
início é tedioso será agradável, posteriormente. Quer goste ou não, leia e ore
diariamente. É para sua vida; não há outro caminho; caso contrário, você será,
sempre, um frívolo, medíocre e superficial pregador.
Na Bíblia, vemos Paulo, prestes a ser martirizado nos porões
de Roma, pedindo a Timóteo que lhe traga uma capa e seus livros... O tratado de
Paulo aos Romanos é um dos mais belos exemplos bíblicos de aula de teologia. É
uma explicação só possível a alguém que gastou muito tempo meditando,
pesquisando, conhecendo. Nenhuma pessoa pode ser hábil em sua profissão senão
tendo estudado para isso. Mesmo o sapateiro no seu ofício estuda: seu objeto é
o couro, o plástico, a linha... Ele conhece cada um desses elementos, sabe como
se encontram, qual serve para qual... E o pregador ou pregadora não pode ser
diferente. Precisa “manejar bem a Palavra” e não pode pressupor que saiba tudo
ou que o Espírito lhe revelará tudo. Ele ou ela precisa e depende de outros que
antes se debruçaram, pesquisaram, conheceram e podem lhe fornecer informações
importantes sobre seu percurso com a Bíblia.
Em segundo lugar, é
um conhecimento vital: debates são sempre muito bons pra desenvolver o
nosso intelecto, mas eles precisam ter um propósito. Eu não sei muita coisa se
isso só serve para polemizar. O conhecimento teológico serve para ajudar as
pessoas a encontrar soluções para suas vidas espirituais, para sanar suas
dúvidas existenciais, para ajudá-las a encontrar o propósito de sua vida em
Deus. Um exemplo claro disso é o encontro de Filipe com o eunuco, na narrativa
de Atos. É o conhecimento que Filipe tem das escrituras que torna possível ele
“começar por Isaías para anunciar-lhe a Cristo”.
Filipe sabia contextualizar o texto, sabia o que Isaías
estava falando e sabia como percorrer a trajetória histórica do texto para
chegar onde queria. Muita gente sem conhecimento comete as mais bárbaras
heresias porque lê a Bíblia como se ela tivesse sido escrita ontem, sem levar
em conta a quantidade de gente que nos precede e o espaço histórico no tempo no
qual as interpretações diversas se estabelecem. O conhecimento teológico
precisa gerar vida. Alberto Fernando Roldán, no texto Para que serve a teologia (Editora Descoberta), afirma que
o pastor [a pastora] que não se preocupa com seu preparo
bíblico e teológico condena sua igreja ao infantilismo e raquitismo espirituais
e, com frequência, acaba tornando-se um pastor [uma pastora] monotemático que,
como tal, desenvolve todos os seus discursos ao redor do seu tema favorito. Um
pastor [uma pastora] monotemático está longe de apresentar ‘todo o conselho de
Deus’ à sua congregação.
É cruel com as pessoas que elas passem anos e anos dentro
das igrejas sem que possam se mover ao mínimo de autonomia nas suas reflexões
ou se envolvam em debates insossos que alimentam somente as diferenças entre as
doutrinas e não o crescimento saudável do membro em sua comunidade. A teologia
pastoral serve a este propósito, pois, de acordo com Efésios, é para “equipar
os santos para o desempenho do seu ministério”. O pastor ou pastora é essa
pessoa que prepara as demais para atuar nos campos. Como fazer isso sem
entender o porquê de fazer o que faz? É para isso que serve o conhecimento! Ele
não é independente – respondemos às doutrinas cristãs estabelecidas desde os
primeiros concílios da Igreja e estamos em sujeição às demandas de nossa igreja
denominacional, pois o conhecimento teológico é, em essência, comunitário – mas
é autônomo – consegue fazer sozinho aquilo que deve ser feito, sem muletas de
qualquer tipo, como crendices, superstições, maldições ou coisas similares que
fomentam o medo de questionar, indagar e aprender.
Em terceiro lugar, o conhecimento também serve para dar fidelidade ao ensino. Charles Spurgeon
afirma:
Sejam bem instruídos em teologia, não façam caso do
desprezo dos que zombam dela porque a ignoram. Muitos pregadores não são bons
teólogos, e disso procedem os erros que cometem. Em nada pode prejudicar o mais
dinâmico evangelista o ser também um bom teólogo; pelo contrário, pode ser o
meio que o livre de cometer enormes disparates. Hoje em dia ouvimos alguém
extrair do seu contexto uma frase isolada da Bíblia e clamar: “Eureka!” como se
tivesse descoberto uma nova verdade; no entanto, não achou um diamante, mas um
pedaço de vidro quebrado. Se comparasse o espiritual com o espiritual, se
entendesse o significado da fé, ou estivesse familiarizado com a santa erudição
dos grandes estudiosos da Bíblia em épocas anteriores, não se apressaria tanto
em jactar-se de seus maravilhosos conhecimentos. (SPURGEON, 1991, p. 15)
Jesus era reconhecido como alguém que falava como quem tem autoridade. Que isso quer
dizer? Havia segurança em suas palavras, firmeza nos seus conceitos. Ele era
habilitado para ensinar e reconhecido como um rabino ou mestre, como o atesta o
próprio Nicodemos na entrevista que tiveram. Jesus cita toda a Bíblia quando
conversa com os discípulos no caminho de Emaús. Jesus chega na sinagoga e no
rolo que lhe é dado Ele tem toda a condição de fazer sua preleção, porque é um
estudioso. É evidente seu conhecimento, certamente recebido por toda a tradição
judaica de ensino no contexto do lar e da sinagoga. Some-se a isso sua vida de
devoção e oração e a autoridade se torna algo tangível e inegável até mesmo por
seus inimigos!
Por fim, quero pontuar aqui, mas não somente isso, que o
conhecimento produz, em decorrência dos aspectos acima, autoridade. Uma das funções da teologia é a apologética, a defesa
da fé, não apenas em termos de debates, mas também por meio da formação das
pessoas, da transmissão da correta doutrina, do forjar do ensino no dia a dia
do povo, na formação de novos líderes, na transmissão de conteúdos e valores.
Como fazer isso sem constante estudo e atualização? O professor e pastor Anders
Ruuth ensina:
Não é o estudo em si o que transforma um pregador em um
bom pregador, do mesmo modo como a honra de ser doutor em teologia não garante
em absoluto a condição de profeta. Mas o estudo confere ao pregador os
conhecimentos formais necessários para exercer seu ofício de pregador, assim
como o artesão e o profissional têm de aprender as técnicas e práticas próprias
de suas profissões. Todo mundo tem respeito por uma pessoa que é capaz em seu
ofício. Assim também o ministro deve fazer-se respeitar pelos conhecimentos que
possui. (RUUTH apud ROLDAN, p...)
A competência formal é importante. É claro, por exemplo, que
Pedro é um grande líder na igreja primitiva. Sua autoridade é inegável. Mas a
habilidade de discutir, de escrever e de pregar de Paulo, que foram aprimoradas
porque ele estudou com os melhores professores de seu tempo, como Gamaliel,
levaram ao máximo sua capacidade e por isso ele foi capaz de fazer
transposições que Pedro não conseguiu, como se tornar o apóstolo entre os
gentios, transitar entre culturas e saber “traduzir” o evangelho para povos não
acostumados aos ritos, tradições e ao texto sagrado judeu.
Assim, o pregador ou pregadora, seja no pastorado, no
ministério de evangelismo ou missões, tanto mais poderá avançar quanto conhecer
todas as questões possíveis do campo da teologia. Do mesmo modo, ninguém
conseguia colocar Jesus em apuros sobre a interpretação bíblica, porque Ele
havia desenvolvido sua capacidade de raciocínio, articulando os conhecimentos
bíblicos às demandas de seu tempo. Exemplos disso podem ser o episódio sobre o
tributo, o caso da mulher adúltera ou quando lhe perguntam sobre sua autoridade
e Ele devolve indagando se o batismo de João é do céu ou da terra. Sua forma de
atuar é sempre levar as pessoas a racionar, ao invés de oferecer saídas fáceis
e formatadas. Só assim se pode chegar ao segundo estágio de nossa conversa
aqui: o crescimento!
Crescer: como?
O pensador católico Libânio faz um diagnóstico muito duro da
realidade do cristianismo no contexto desse momento a que chamamos de
pós-modernidade (seja lá o que isso signifique, dadas as tantas nuanças...).
Ele afirma, primeiro, o que eu entendo que nós, protestantes, também podemos
concordar quanto ao que seria um processo de maturidade (ou de crescimento na
fé). E, a seguir, ele apresenta o problema que percebe na contemporaneidade
para podermos ter tal crescimento:
A fé cristã pede uma identidade firme que passa por um
tríplice processo. O cristão sente-se tocado pela Palavra de Deus, pela pessoa
de Jesus, por sua práxis, pelos seus ensinamentos. Num momento seguinte,
converte-se para uma nova vida, ao impregnar sua identidade religiosa de tal
Palavra. E, num momento seguinte, compromete-se com o Reino de Deus. Isso
significa que o agir se conforma com a lei do amor a Deus e ao irmão. E tal
identidade se alimenta na comunidade daqueles que vivem tal experiência de
conversão e seguimento. A identidade religiosa pós-moderna, pelo contrário,
alimenta-se da emoção, de momentos intensos e passageiros, de uma busca de
porta em porta de experiências sempre novas nas boutiques espirituais. As
pessoas se entregam a verdadeiro nomadismo religioso. Reina o provisório. Desde
que uma prática religiosa já não satisfaz, ela é descartada com toda
facilidade. Não se receia misturar formas religiosas de tradições as mais
diversas e até irreconciliáveis num ecletismo e sincretismo sem
questionamentos. Vive-se no interior de uma nebulosa religiosa. Institui-se o
primado da experiência sobre as prescrições da Instituição. Interiorizam-se e
subjetivizam-se as expressões religiosas escolhidas conforme o próprio gosto.
Há um dobrar-se sobre si mesmo, sobre o próprio eu. O termo mística soa
redondo. Envolve vivências leves, gostosas, suaves. (LIBÂNIO, 2009, p.10-11)
A teologia se concentra nessa primeira parte para promover o
crescimento. Levar a pessoa de um momento de ser tocada pela Palavra de Deus
para chegar ao ápice, que é o comprometimento da vida com o Reino de Deus. Isso
acontece no seio da comunidade de fé, que é uma comunidade interpretativa. Quer
dizer que também a leitura bíblica e sua correta interpretação não são fruto de
uma pessoa ou de seu modo particular de pensar. Quando a Reforma Protestante
fala de colocar a Bíblia na mão das pessoas, dar-lhes acesso e incentiva ao
sacerdócio universal de todos os crentes, ela não pretendia uma leitura
individualista da Bíblia. Contudo, o que temos na atualidade é isso, a tal ponto
que a experiência pessoal e particular inibe ou até contraria a vivência
comunitária.
Essa fragmentação tem levado muita gente a desconsiderar a
recomendação bíblica de não deixar de congregar-se, contida em Hebreus. E isso
não é apenas deixar de ir à igreja, mas deixar de ser e sentir-se parte de algo
maior. Sem o lastro dessa reflexão comunitária, há uma perda teológica não
apenas de valores, mas de tradições e historicidade que vão se perdendo,
levando à individuação e ao relativismo teológico, perigo tão aventado em
nossos dias. Também se verifica, mediante a perda dos seus membros, que as
igrejas-comunidades começam a adotar regras e práticas de mercado para segurar
seus clientes, perdendo sua prerrogativa de espaço profético e tornando-se
lugares de negociação religiosa. A Bíblia perde sua eficácia porque não há
teologia que a sustente na vida das pessoas. Voltamos ao tempo dos juízes,
quando “cada um faz o que acha correto”. A esse processo, temos chamado
“secularização”.
É o conhecimento e o estudo das Escrituras, sua recondução
ao lugar de texto sagrado na vida das pessoas, que vai garantir um crescimento
real para a pessoa que ministra, tirando-a do lugar comum, mas do mesmo modo
para sua igreja, levando a uma firmeza doutrinária e bíblica, a um fortalecimento
do ser interior e um despertamento para a real vivência missionária, para as
lutas do Reino de Deus que vão além da igreja, como a superação da violência,
da criminalidade, das injustiças, a retidão nos governos, etc. O projeto de
Deus não é só para a igreja ou para um conjunto específico de pessoas. É para o
mundo todo. Não é um novo bairro ou um novo país, mas um novo céu e uma nova
terra!
A
educação teológica, para gerar crescimento e vida abundante, deve ser
libertadora no sentido de elevar as pessoas à condição de protagonistas de sua
história. A leitura bíblica precisa impulsionar à ação. Superar a secularização
pelo resgate da Bíblia como inspiração concreta e da comunidade como
fomentadora de vida. Levar as pessoas a se engajar em projetos que não apenas
gere adeptos para seus arraiais, mas gente comprometida com todos os aspectos
possíveis para transformar o mundo.
Vivemos
um novo nível de massificação, como nunca imaginado. A Teologia tem se tornado
produto e tem gerado mercados. Prova disso é o grande número de cursos que se
oferece. Se por um lado podemos agradecer pela ampla oferta de conhecimento,
por outro, nos deparamos com o consumo e com o pragmatismo que caracterizam, em
muitos momentos, a educação teológica que temos recebido. A educação teológica
deve, ser, portanto, comprometida, assumindo posturas e negando qualquer falsa
neutralidade em nome de um bem-estar aparente, do que seria politicamente
correto. Para haver conhecimento, crescimento e vida abundante, é preciso profundidade,
compromisso, tempo.
Eu
creio que a sensação mais próxima do que eu quero expressar na totalidade dessa
reflexão é que o pastor ou pastora, ou a pessoa que quer estudar teologia,
deveria fazê-lo, para ter conhecimento, crescimento e vida abundante, a mesma
disposição que havia nos pregadores antigos para com seu tempo com Deus em
estudo e aprofundamento. Dentre tantos, me permitam citar João Wesley, em sua
introdução aos sermões, que tem um dos textos mais lindos sobre como a teologia
nasce do contato com as pessoas, com a Bíblia, com a experiência pessoal e com
a tradição, que são os pensadores que vieram antes de nós:
Eu não tenho receio de revelar os meus pensamentos mais
íntimos aos homens sinceros e sensatos. Eu tenho pensado que sou uma criatura
de um dia, passando pela vida como uma flecha através do ar. Sou um espírito
vindo de Deus e que para ele voltará; espírito apenas pairando sobre o grande
abismo, até que daqui a uns poucos momentos eu não seja mais visto e entre numa
eternidade imutável! Quero saber uma coisa – o caminho para o céu; como
desembarcar-me com segurança naquela praia feliz. O próprio Deus condescendeu
em ensinar o caminho; para este fim, ele veio do céu. Ele o escreveu em um
livro. Oh, dá-me esse livro! Por qualquer preço, dá-me o livro de Deus! Eu o
tenho. Aqui há conhecimento suficiente para mim. Seja eu o homem de um livro.
De modo que estou distante dos costumes atarefados dos homens. Eu me assento a
sós: somente Deus está aqui. Em sua presença abro e leio o seu livro; para este
fim: achar o caminho do céu. Há alguma dúvida a respeito do significado daquilo
que leio? Parece alguma coisa difícil ou intricada? Ergo o meu coração ao Pai
das luzes: "Senhor, não é tua palavra, se alguém necessita de sabedoria
peça a Deus? Tu dás liberalmente e não lanças em rosto. Tu disseste: se alguém
quiser fazer a tua vontade, ele a conhecerá. Eu quero fazê-la, dá que eu
conheça a tua vontade." Eu então pesquiso e considero as passagens
paralelas das Escrituras, "comparando as coisas espirituais com as
espirituais." E então medito com toda a atenção e sinceridade de que é
capaz a minha mente. Se ainda persiste alguma dúvida, consulto aqueles que são
experimentados nas coisas de Deus e, então, os escritos pelos quais, mesmo mortos,
ainda falam. E o que assim aprendo, isso ensino. (WESLEY, Prefácio aos Sermões).
Obrigada!
Referências
LIBÂNIO, João Batista.
Identidade na Pós-modernidade. In: Revista Interlocução, v.1,
n.1, Ago./Set./Out. 2009. Disponível em http://interlocucao.loyola.g12.br/index.php/revista/ article/view/27/29
ROLDÁN, Alberto F. Para que serve
a teologia? Curitiba: Descoberta, 2000
SPURGEON, Charles H. Um ministério ideal. Vol. I. São Paulo:
Publicações Evangélicas Selecionadas, 1991
WESLEY, John. Carta a John Trembath.
Disponível em: http://www.monergismo.com/textos/pregacao/pregadores_wesley.htm,
acesso em 01 set 2016.
WESLEY, John. Sermões. Disponível em: http://www.metodista.org.br/sermoes-de-john-wesley-disponiveis-para-download. Acesso em 01 set 2016.
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