Há uma história sobre um homem
que foi a uma loja de virtudes. Ele queria comprar amor, fé, bondade, perdão. O
anjo que atendia ao balcão lhe deu um pote de cada pedido. Ressentido, o homem
reclamou que nada do que havia pedido estava pronto. O anjo respondeu: “Senhor,
aqui só vendemos sementes”.
Na vida de toda pessoa cristã
existem sementes. Nós as recebemos de nossos pais, mães, parentes, membros da
igreja, pessoas que perpassam nossa história nos trazendo um pouco de Deus (2Tm
1.5). Nós as ministramos sobre nossas crianças. O processo da semeadura é a
expressão bíblica para a inserção da palavra na vida de qualquer ser humano. Há
até mesmo uma expressão teológica chamada “lei da semeadura”, mediante a qual
só poderemos colher o que plantamos (Gl 6.7-8). Quem planta amor, colhe amor.
Quem planta perdão, recebe perdão e assim por diante. É claro que depende
bastante da semente plantada. Mas a colheita também sofre os fatores do solo,
do tempo, do cuidado do semeador (veja todas as parábolas de semeadura, como
levam em conta a postura de quem semeia). Nada é garantido. Por isso, pode ser
que a semente boa se perca; ou que mesmo tendo o solo bom e a semente boa, o
semeador se revele um mercenário, plantando fora do tempo, descuidando da
semente, sendo negligente na tarefa de inibir ervas daninhas, etc.
Outro dia, em minha igreja,
preguei sobre a fé. Fiz uma pergunta acerca dela que me parece basilar quando
se pensa nisso: “Como conseguir ter fé?” Imagino que seja essa de verdade a
pergunta dos discípulos quando pedem a Jesus que lhes ensine a orar (Lc 11.1).
Não se trata de ter as palavras certas para falar com Deus. Trata-se, muito
mais, em definir a maneira pela qual nos aproximamos dele de modo a ter o
máximo possível de certeza de que Ele nos ouvirá e, eventualmente, segundo a
Sua graça, nos atenderá.
Inicialmente, abordei o fato de
que a fé é ensinável. Ela é entendida na Bíblia como um processo relacional,
que se aprende no seio da comunidade que celebra, na família que recorda festa
e, por fim, se torna pessoal na entrega da vida a Deus. Ela começa, de algum
modo, de fora para dentro, por imitação e inculcação (Deuteronômio 6 é o
exemplo mais didático desse processo).
Assim, a criança aprende a ter fé
da mesma forma que aprende a andar. Não aprendemos a dar nossos primeiros
passos porque acreditamos em nosso próprio potencial. Só fazemos isso porque
alguém nos dá a mão, nos segura, nos envia impulsos e ritmos, nos coloca de pé.
Depois, segue com palavras de incentivo, de desafio, nos chama, aplaude, grita,
vibra, até que, por um impulso de agradar à voz de quem chama, colocamos os pés
um à frente do outro e andamos. Andar é um ato de fé em resposta ao amor de quem
anseia por nossa autonomia e crescimento.
Mas não é só. Uma vez que
aprendemos a andar e firmamos os artelhos e joelhos, então não precisamos mais
de fé para isso. Somos capazes de andar por nós mesmos e não dependemos de
ninguém para fazê-lo.
Vem o desafio seguinte: andar de
bicicleta. Outra vez nossa vida está nas mãos da pessoa que segura o guidão,
que apoia atrás, que consola quando caímos, que insiste novamente, que
pronuncia palavras de confiança enquanto tira as rodinhas, que dá beijos no
joelho ralado, que dá bronca porque a gente nunca sai do lugar e depois grita
porque damos três pedaladas... outra vez é um processo de fé, ainda mais duro e
demorado talvez que o primeiro.
Porque agora que crescemos, a fé
encontra a barreira de mais perguntas e dúvidas, que não estavam lá da
primeira vez. E assim é por toda a vida.
É o desafio de aprender a dar novos tipos de passos que vão levar nossa fé
adiante. Sempre vai resultar em autonomia, mas nunca em independência, porque o
estímulo para que ela cresça vem desse Deus que, como um pai e uma mãe fazem,
grita palavras de incentivo, aplaude nosso crescimento, celebra cada vez que
voltamos para casa e nos dá garantia de presença, conforto e abrigo.
Dessa relação é que vêm tanto a
fé quanto os demais frutos do Espírito. Todos eles são relacionais. Todos eles
são, de alguma forma, perguntas e respostas trocadas na vivência com as pessoas
e com o Espírito de Deus. Todos eles são sementes plantadas no solo da vida da
Igreja.
Na qualidade de educadores e
educadoras, nossa tarefa é a da semeadura. As sementes são os valores e
princípios da palavra de Deus, que recebemos Dele em primeira mão por meio do
processo de crescimento em fé que nós mesmos atravessamos. Eu sempre digo que
ninguém pode dar o que não tem. Para que haja em nós a alegria dos frutos, é
preciso, em primeiro lugar, que sejamos nós mesmos o resultado de sementes (1Co
11.1). Sem a experiência pessoal com Cristo, a pessoa que trabalha com crianças
pode ser um excelente educador ou professor, mas jamais será alguém que
discipula nos moldes de Cristo. Ele jamais ofereceu a qualquer de seus
seguidores uma perspectiva de Deus que não fosse resultado de sua própria
vivência.
Ensinamos nossas crianças a
desenvolver seus frutos por meio de nossas histórias acerca do que Cristo fez
em nós. Fomentamos nelas o espírito de adoração na medida em que nos
deslumbramos diante delas ao ler a Palavra divina e quando louvamos e adoramos.
Mostramos que Cristo é nosso Senhor ao invoca-Lo cotidianamente diante dos
desafios que se nos apresentam. E essa é uma razão primordial para que também
celebremos seus pequenos passos de fé, suas afirmações teológicas mais lúdicas,
as surpresas com que nos presenteiam ao demonstrar seu modo de entender a
revelação divina.
Por isso e por fim, creio que é
preciso que nós, adultos e adultas, reaprendamos o valor da celebração.
Sofremos tanto plantando e cuidando da semente que, quando ela brota, damos um
suspiro aliviado e nos viramos para o próximo campo seco, sem nos aperceber do
milagre que é esse brotar da fé no coração de nossos pequenos.
Damos por certas tantas coisas!
Achamos que a independência nos levará a algum lugar, mas estamos criando
nossas crianças para uma vida sem Deus, esperando que em algum momento elas
decidam sozinhas... Como? Se não estamos plantando? Se não investimos nelas por
meio da Escola Dominical, dos grupos pequenos, dos ministérios bem preparados?
Se os pais ocupam seus dias com tantos afazeres que, aos domingos, elas não
querem ir à igreja?
Esses dias mesmo eu me assombrei
de ver, numa postagem de facebook acerca de um batismo por imersão, alguém
comentar dizendo que finalmente a Igreja Metodista havia assumido essa forma de
batismo e que, assim, as crianças agora poderiam decidir, sendo batizadas
apenas quando adultas. Perceba, não é a forma de batismo a questão aqui, mas de
que maneira uma forma de batismo traz uma teologia que claramente exclui os
pequeninos e pequeninas do processo da graça, faz os pais e mães se omitirem de
seu papel na aliança com Deus e joga por terra nosso esforço de anos e anos
tentando educar nosso povo, dentro de nossa teologia inclusiva, do valor da
experiência delas e de nosso selo como pais e mães sobre suas vidas. Eu jamais
abdicarei da fé no batismo infantil. Sou fruto dele, como cristã e como
metodista. Minhas filhas foram acolhidas nessa fé. Meus irmãos e irmã também. E
meus tios e tias. Tenho uma história de frutos para contar. As sementes que eu
plantei vieram da mesma raiz das quais fui alimentada. E “se a raiz é santa, os
ramos também o serão” (Rm 16.11).
Por isso é que quando algo emerge
como amostra de fé e frutos na vida das crianças, temos de reunir os amigos e
amigas e fazer uma grande festa. A igreja precisa celebrar a fé dos pequenos e
pequenas. Dar-lhes espaço de testemunho e louvor. Investir pesado para que
tenham as melhores condições de frutificar e depois celebrar, celebrar muito, a
festa da vida.
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