sexta-feira, 29 de setembro de 2017

“Sê forte e faz a obra” (1 Crônicas 28. 6-10)

Em 1 Crônicas 28, Davi apresenta ao povo seus planos de construção do templo e seu herdeiro ao trono, Salomão. Davi está idoso, prestes a falecer. Ele quer garantir que tudo o que Deus determinara vai ser feito, mesmo após sua morte. A construção do templo é uma dessas determinações. É um sonho de Davi, há muito acalentado e que ele sabe que não poderá ver realizado. Imagino que seu sentimento é o mesmo de Moisés sobre o Monte Nebo. Uma perspectiva de tarefa cumprida, um desejo de ir além, uma impossibilidade. Mas também a confiança na promessa de Deus de que outras pessoas alcançarão o que eles apenas vislumbram.
Deve ter sido muito difícil para Davi abrir seu coração ao povo, mas ele admite abertamente que não poderá construir o templo porque Deus o considera um homem de guerra, que havia derramado muito sangue. Alguém assim não poderia construir um templo que deveria ser em louvor a Deus. No culto, não há espaço para guerras, contendas, violência. Diante da presença de Deus deve haver quietude, festa, quebrantamento, alegria, celebração. O cenário de distúrbios e dores de um campo de guerra, os apetrechos de um soldado ou a empáfia de um capitão são coisas que não cabem no contexto da adoração.
E então, em meio às suas instruções, Davi diz a Salomão para ser forte. A palavra em hebraico para forte é transliterada como “rhazac”. Muitas vezes a gente pensa que a força está relacionada com a capacidade de causar impacto ou com vigor físico. Ainda mais quando no contexto das conquistas, como é o caso de Josué 1.9. Mas Salomão não era um moço de guerra. O que a palavra “forte”, que é a mesma de Josué, pode significar?
Algumas traduções trazem: “esforça-te”. No dicionário hebraico, o termo pode ser entendido como “ser constante, ser obstinado”. Também pode ser traduzido como fortalecer no tempo verbal causativo. A voz causativa ocorre quanto o sujeito da frase pratica uma ação mandada por outra pessoa, implícita no discurso. Isso significa que quando Deus diz a Josué: “Sê forte”, ele está concedendo a força para que seu servo seja forte, obstinado, determinado. Davi abençoa a Salomão com esta mesma palavra e, por ser um mandado de Deus, isso significa que é uma bênção, uma ordem e uma palavra profética ao mesmo tempo.
Porém, a perseverança ordenada e a bênção predita possuem um condicional muito claro. Várias vezes neste texto temos uma pequena palavra que faz toda a diferença: “Se”. “Se perseverar ele em cumprir os meus mandamentos e juízos”; “Se o buscares, ele se deixará achar por ti; se o deixares, ele te rejeitará para sempre”.
Às vezes nos perguntamos por que razão algumas das coisas que sonhamos e cujas promessas encontramos na Palavra de Deus parecem tão distantes de nós. Nesses momentos, temos de nos perguntar pelos “ses” de Deus. São os “ses” que nos explicam a maneira de sermos fortes. A força de que a Palavra fala é, portanto, a força de permanecer, obstinadamente, nos propósitos divinos. Não tem a ver com capacidade humana, nem talento, nem dom, mas de foco. É fácil a gente se esquecer dos propósitos. Na dieta, nos estudos, na leitura de um livro, no casamento, na promoção no trabalho... quantas vezes nos pegamos saindo do foco? Por que seria diferente na vida espiritual?
Eu me lembro de ter ouvido recentemente um pregador, chamado Rick Vallotton. Ele nos disse que às vezes, quando sentimos que não podemos ir à frente em algum propósito, pode ser tempo de fincar os pés no chão e sustentar a posição até que passe o momento calamitoso. Isso nos dará condições de seguir em frente. O retrocesso é considerado por Deus como fonte de desprazer, porque significa desconfiança em suas promessas. Mas a permanência garante o avanço.
Assim, hoje, devemos, como Davi orientou a Salomão, observar os mandamentos divinos, focar em cumprir os mandamentos e os juízos de Deus, guardar seus mandamentos, empenhar-nos por eles; servir a Deus de coração íntegro e alma voluntária e atender a tudo (1Cr 28.7-10a). Assim como no exercício físico, é a força da perseverança que garantirá a saúde e o vigor que dará o impulso para as conquistas prometidas por Deus. E como no verbo causativo hebraico, a palavra que Deus profere é, em si mesma, a garantia do cumprimento. A nossa parte é sustentar-nos firmes no “se” para termos o “sim”.

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

A vocação da alegria

O Espírito do Soberano Senhor está sobre mim, porque o Senhor ungiu-me para levar boas notícias aos pobres. Enviou-me para cuidar dos que estão com o coração quebrantado, anunciar liberdade aos cativos e libertação das trevas aos prisioneiros, para proclamar o ano da bondade do Senhor e o dia da vingança do nosso Deus; para consolar todos os que andam tristes, e dar a todos os que choram em Sião uma bela coroa em vez de cinzas, o óleo da alegria em vez de pranto, e um manto de louvor em vez de espírito deprimido. Eles serão chamados carvalhos de justiça, plantio do Senhor, para manifestação da sua glória. (Isaías 61.1-3)

Este texto bíblico é certamente um dos mais importantes para todas as pessoas que se sentem vocacionadas por Deus para algum ministério específico em suas jornadas espirituais por três razões principais, que passo a listar:
1. Porque determina a visão última da nossa vida em Deus: não apenas “o que” fazemos mas “para que” fazemos, qual o fim último de nossas ações.
2. Porque foi por ele que Jesus definiu Seu próprio ministério. Em Lucas 4, quando ele entra na sinagoga e lhe é entregue o livro de Isaías, Jesus declara que este texto se cumpriu na vida Dele.
3. Se Jesus disse isso de Si mesmo e nós somos seus imitadores e imitadoras, então este texto é definidor também do nosso ministério hoje.

Este texto afirma que o Espírito do Senhor está sobre alguém com um propósito. Esses dias, estou tendo a oportunidade de ler “Discipulado”, de Dietrich Bonhoeffer, pastor da Igreja Confessante na Alemanha nazista, que foi morto por Hitler. Ele escreve o seguinte: "Hoje, parece tão difícil trilhar o caminho estreito da decisão eclesiástica e, ainda assim, permanecer em toda a amplitude do amor de Cristo, para com todos os seres humanos, na paciência, misericórdia e "filantropia" de Deus (Tt 3.4) para com os fracos e os ímpios. E, no entanto, de algum modo ambos devem ficar lado a lado, do contrário segue-se o caminho humano. Que Deus nos dê a alegria, em toda a seriedade do discipulado, em todo o "não" ao pecado, em todo "sim" ao pecador, em toda resistência ao inimigo, na palavra triunfante e vencedora do evangelho". (BONHOEFFER, 2016 [1937], p. 14).
O propósito, diz Bonhoeffer, é que a proclamação do Evangelho produza discípulos e discípulas de Jesus. Ele define que “discipulado é alegria” e isso acontece porque a graça de Jesus, anunciada pela Igreja, é uma graça preciosa que transforma e liberta o pecador, a pecadora. Pensando nessas coisas todas, eu lembrei-me de que estamos finalizando o mês de setembro, chamado de mês amarelo, em prevenção ao suicídio. Qual o papel da Igreja de Cristo nesse contexto de dores e morte? A palavra de Bonhoeffer e as palavras de Isaías, ecoadas por Jesus, nos respondem que a proclamação da alegria é parte integrante ou mais – é a visão última do nosso discipulado!

Um discipulado de alegria
Por que o discipulado de Jesus é um discipulado de alegria? Vejamos o conteúdo de sua proclamação: boas notícias aos pobres, cuidado de quem está com o coração quebrantado, liberdade a quem está cativo ou cativa, libertação das trevas; anúncio do ano da bondade do Senhor e do dia da vingança do nosso Deus (a Bíblia sempre nos orienta a esperar por ela e a não fazer justiça com as próprias mãos! Então temos algo aí para pensar); para consolar quem anda triste. Por fim, o envio do servo de Deus é cheio de presentes para quem chora: uma bela coroa em vez de cinzas, o óleo da alegria em vez de pranto, e um manto de louvor em vez de espírito deprimido. A palavra de Isaías, no contexto de sua época, a palavra de Jesus em seu tempo e a nossa hoje encontram as mesmas necessidades nas pessoas. Devemos acreditar que a alegria é libertadora, transformadora. Ela é causa e consequência do processo salvífico. Deus nos fez para se alegrar em nós e nos salva, em Cristo, para que nos alegremos Nele. 

A alegria é amarela
Fiquei procurando na internet o motivo pelo qual o setembro é amarelo. Derivei isso, em meus pensamentos, de que se relaciona com a primavera, o sol ou as flores. Mas na Bíblia o amarelo é sinal da presença de Deus, sabia? 
Nos momentos difíceis, como em meio a uma guerra, Deus mandou um recado para o povo de Israel” Mesmo quando vocês dormem entre as fogueiras do acampamento, as asas da minha pomba estão recobertas de prata, as suas penas, de ouro reluzente" (Salmo 68.13). E quando o profeta Zacarias teve uma visão com um candelabro amarelo de ouro e não entendeu, o anjo explicou: "Esta é a palavra do Senhor para Zorobabel: “Não por força nem por violência, mas pelo meu Espírito', diz o Senhor dos Exércitos” (Zacarias 4.6). A presença de Deus muitas vezes veio como uma coluna de fogo, amarelo e quente, trazendo conforto ao frio do deserto... tantas imagens encontrei! E então me lembrei do famigerado cavalo amarelo que simboliza a morte, no Apocalipse. Mas quando chequei o original, percebi um pequeno equívoco do tradutor. O cavalo lá é verde (cloros) e não amarelo! Ufa, que alívio!

Uma vocação para a alegria
Pensei no céu e na quantidade de vezes em que os autores bíblicos mencionam que lá existe canto, leveza, festa. Isso indica uma cura dos estados emocionais que trazem dor, sofrimento e morte. As pessoas salvas são aquelas resgatadas das várias situações de morte, incluindo a depressão, a ansiedade e o suicídio. Essa promessa futura nunca deve sair de diante de nossos olhos no horizonte, enquanto realizamos os verbos da vocação em Isaías.
Mas a alegria genuína vem primeiro do convívio. De vez em quando os poetas e escritores ajudam o povo que faz teologia contando alguns segredos. Eu me lembrei do texto de Guimarães Rosa: “Deus nos dá pessoas e coisas, para aprendermos a alegria… Depois, retoma coisas e pessoas para ver se já somos capazes da alegria sozinhos… Essa… a alegria que ele quer.” A alegria, portanto, é aprendida no encontro entre as pessoas. Ela é assim nascida e maturada a tal ponto que mesmo quando as pessoas se separam, a alegria permanece. Jesus mesmo disse aos discípulos que a comunhão é fonte de alegria: “Se vocês obedecerem aos meus mandamentos, permanecerão no meu amor, assim como tenho obedecido aos mandamentos de meu Pai e em seu amor permaneço. Tenho lhes dito estas palavras para que a minha alegria esteja em vocês e a alegria de vocês seja completa (João 15.10-11).

Este é um resumo: o Espírito do Senhor nos envia às pessoas para conviver com elas. Para estar junto, ouvindo e comunicando a Palavra. Deste encontro, deriva a alegria, como resultado da vivência comunitária autêntica. Então o Espírito do Senhor desce sobre nós e testifica que, de fato, estamos ali cumprindo o chamado dele. Deus se alegra, a gente se alegra e um grande milagre acontece:
“Então romperá a tua luz como a alva, e a tua cura apressadamente brotará, e a tua justiça irá adiante de ti, e a glória do Senhor será a tua retaguarda. Então clamarás, e o Senhor te responderá; gritarás, e ele dirá: Eis-me aqui. Se tirares do meio de ti o jugo, o estender do dedo, e o falar iniquamente; e se abrires a tua alma ao faminto, e fartares a alma aflita; então a tua luz nascerá nas trevas, e a tua escuridão será como o meio-dia. E o Senhor te guiará continuamente, e fartará a tua alma em lugares áridos, e fortificará os teus ossos; e serás como um jardim regado, e como um manancial, cujas águas nunca faltam. E os que de ti procederem edificarão as antigas ruínas; e levantarás os fundamentos de geração em geração; e chamar-te-ão reparador das roturas, e restaurador de veredas para morar. (Isaías 58.8-12).
Discipulado é alegria. E alegria cura porque vem do convívio, da abertura e do afeto. Diz o ditado em português que quem amarela é covarde. No Reino, quem amarela é aquele e aquela cuja face sinaliza o brilho da presença de Deus. Nesse sentido, amarelemos!

O povo do coração aquecido

“O justo viverá pela fé” (Romanos 1:17, Habacuque 2:4, Gálatas 3:11, Hebreus 10.38) Uma experiência de mais de um dia John Wesley era um jov...