O Espírito do Soberano Senhor está sobre mim, porque o Senhor ungiu-me para levar boas notícias aos pobres. Enviou-me para cuidar dos que estão com o coração quebrantado, anunciar liberdade aos cativos e libertação das trevas aos prisioneiros, para proclamar o ano da bondade do Senhor e o dia da vingança do nosso Deus; para consolar todos os que andam tristes, e dar a todos os que choram em Sião uma bela coroa em vez de cinzas, o óleo da alegria em vez de pranto, e um manto de louvor em vez de espírito deprimido. Eles serão chamados carvalhos de justiça, plantio do Senhor, para manifestação da sua glória. (Isaías 61.1-3)
Este texto bíblico é certamente um dos mais importantes para todas as pessoas que se sentem vocacionadas por Deus para algum ministério específico em suas jornadas espirituais por três razões principais, que passo a listar:
1. Porque determina a visão última da nossa vida em Deus: não apenas “o que” fazemos mas “para que” fazemos, qual o fim último de nossas ações.
2. Porque foi por ele que Jesus definiu Seu próprio ministério. Em Lucas 4, quando ele entra na sinagoga e lhe é entregue o livro de Isaías, Jesus declara que este texto se cumpriu na vida Dele.
3. Se Jesus disse isso de Si mesmo e nós somos seus imitadores e imitadoras, então este texto é definidor também do nosso ministério hoje.
Este texto afirma que o Espírito do Senhor está sobre alguém com um propósito. Esses dias, estou tendo a oportunidade de ler “Discipulado”, de Dietrich Bonhoeffer, pastor da Igreja Confessante na Alemanha nazista, que foi morto por Hitler. Ele escreve o seguinte: "Hoje, parece tão difícil trilhar o caminho estreito da decisão eclesiástica e, ainda assim, permanecer em toda a amplitude do amor de Cristo, para com todos os seres humanos, na paciência, misericórdia e "filantropia" de Deus (Tt 3.4) para com os fracos e os ímpios. E, no entanto, de algum modo ambos devem ficar lado a lado, do contrário segue-se o caminho humano. Que Deus nos dê a alegria, em toda a seriedade do discipulado, em todo o "não" ao pecado, em todo "sim" ao pecador, em toda resistência ao inimigo, na palavra triunfante e vencedora do evangelho". (BONHOEFFER, 2016 [1937], p. 14).
O propósito, diz Bonhoeffer, é que a proclamação do Evangelho produza discípulos e discípulas de Jesus. Ele define que “discipulado é alegria” e isso acontece porque a graça de Jesus, anunciada pela Igreja, é uma graça preciosa que transforma e liberta o pecador, a pecadora. Pensando nessas coisas todas, eu lembrei-me de que estamos finalizando o mês de setembro, chamado de mês amarelo, em prevenção ao suicídio. Qual o papel da Igreja de Cristo nesse contexto de dores e morte? A palavra de Bonhoeffer e as palavras de Isaías, ecoadas por Jesus, nos respondem que a proclamação da alegria é parte integrante ou mais – é a visão última do nosso discipulado!
Um discipulado de alegria
Por que o discipulado de Jesus é um discipulado de alegria? Vejamos o conteúdo de sua proclamação: boas notícias aos pobres, cuidado de quem está com o coração quebrantado, liberdade a quem está cativo ou cativa, libertação das trevas; anúncio do ano da bondade do Senhor e do dia da vingança do nosso Deus (a Bíblia sempre nos orienta a esperar por ela e a não fazer justiça com as próprias mãos! Então temos algo aí para pensar); para consolar quem anda triste. Por fim, o envio do servo de Deus é cheio de presentes para quem chora: uma bela coroa em vez de cinzas, o óleo da alegria em vez de pranto, e um manto de louvor em vez de espírito deprimido. A palavra de Isaías, no contexto de sua época, a palavra de Jesus em seu tempo e a nossa hoje encontram as mesmas necessidades nas pessoas. Devemos acreditar que a alegria é libertadora, transformadora. Ela é causa e consequência do processo salvífico. Deus nos fez para se alegrar em nós e nos salva, em Cristo, para que nos alegremos Nele.
A alegria é amarela
Fiquei procurando na internet o motivo pelo qual o setembro é amarelo. Derivei isso, em meus pensamentos, de que se relaciona com a primavera, o sol ou as flores. Mas na Bíblia o amarelo é sinal da presença de Deus, sabia?
Nos momentos difíceis, como em meio a uma guerra, Deus mandou um recado para o povo de Israel” Mesmo quando vocês dormem entre as fogueiras do acampamento, as asas da minha pomba estão recobertas de prata, as suas penas, de ouro reluzente" (Salmo 68.13). E quando o profeta Zacarias teve uma visão com um candelabro amarelo de ouro e não entendeu, o anjo explicou: "Esta é a palavra do Senhor para Zorobabel: “Não por força nem por violência, mas pelo meu Espírito', diz o Senhor dos Exércitos” (Zacarias 4.6). A presença de Deus muitas vezes veio como uma coluna de fogo, amarelo e quente, trazendo conforto ao frio do deserto... tantas imagens encontrei! E então me lembrei do famigerado cavalo amarelo que simboliza a morte, no Apocalipse. Mas quando chequei o original, percebi um pequeno equívoco do tradutor. O cavalo lá é verde (cloros) e não amarelo! Ufa, que alívio!
Uma vocação para a alegria
Pensei no céu e na quantidade de vezes em que os autores bíblicos mencionam que lá existe canto, leveza, festa. Isso indica uma cura dos estados emocionais que trazem dor, sofrimento e morte. As pessoas salvas são aquelas resgatadas das várias situações de morte, incluindo a depressão, a ansiedade e o suicídio. Essa promessa futura nunca deve sair de diante de nossos olhos no horizonte, enquanto realizamos os verbos da vocação em Isaías.
Mas a alegria genuína vem primeiro do convívio. De vez em quando os poetas e escritores ajudam o povo que faz teologia contando alguns segredos. Eu me lembrei do texto de Guimarães Rosa: “Deus nos dá pessoas e coisas, para aprendermos a alegria… Depois, retoma coisas e pessoas para ver se já somos capazes da alegria sozinhos… Essa… a alegria que ele quer.” A alegria, portanto, é aprendida no encontro entre as pessoas. Ela é assim nascida e maturada a tal ponto que mesmo quando as pessoas se separam, a alegria permanece. Jesus mesmo disse aos discípulos que a comunhão é fonte de alegria: “Se vocês obedecerem aos meus mandamentos, permanecerão no meu amor, assim como tenho obedecido aos mandamentos de meu Pai e em seu amor permaneço. Tenho lhes dito estas palavras para que a minha alegria esteja em vocês e a alegria de vocês seja completa (João 15.10-11).
Este é um resumo: o Espírito do Senhor nos envia às pessoas para conviver com elas. Para estar junto, ouvindo e comunicando a Palavra. Deste encontro, deriva a alegria, como resultado da vivência comunitária autêntica. Então o Espírito do Senhor desce sobre nós e testifica que, de fato, estamos ali cumprindo o chamado dele. Deus se alegra, a gente se alegra e um grande milagre acontece:
“Então romperá a tua luz como a alva, e a tua cura apressadamente brotará, e a tua justiça irá adiante de ti, e a glória do Senhor será a tua retaguarda. Então clamarás, e o Senhor te responderá; gritarás, e ele dirá: Eis-me aqui. Se tirares do meio de ti o jugo, o estender do dedo, e o falar iniquamente; e se abrires a tua alma ao faminto, e fartares a alma aflita; então a tua luz nascerá nas trevas, e a tua escuridão será como o meio-dia. E o Senhor te guiará continuamente, e fartará a tua alma em lugares áridos, e fortificará os teus ossos; e serás como um jardim regado, e como um manancial, cujas águas nunca faltam. E os que de ti procederem edificarão as antigas ruínas; e levantarás os fundamentos de geração em geração; e chamar-te-ão reparador das roturas, e restaurador de veredas para morar. (Isaías 58.8-12).
Discipulado é alegria. E alegria cura porque vem do convívio, da abertura e do afeto. Diz o ditado em português que quem amarela é covarde. No Reino, quem amarela é aquele e aquela cuja face sinaliza o brilho da presença de Deus. Nesse sentido, amarelemos!
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