Chegando os filhos de Israel, toda a congregação, ao deserto de Zim, no mês primeiro, o povo ficou em Cades; e Miriã morreu ali, e ali foi sepultada. E não havia água para a congregação; então se reuniram contra Moisés e contra Arão. E o povo contendeu com Moisés, dizendo: Quem dera tivéssemos perecido quando pereceram nossos irmãos perante o Senhor! E por que trouxestes a congregação do Senhor a este deserto, para que morramos aqui, nós e os nossos animais? (Números 20.1-4)
Quando passamos por um
tempo tão dificultoso e desértico quanto o tempo atual, especialmente o tempo
da nossa Igreja, a situação do povo de Israel, por rápida analogia, fica
voltando à minha mente. Esses dias, ao meditar sobre isso, um amigo me lembrou
do episódio de Cades Barneia. Naquela ocasião, doze espias foram mandados para
verificar a terra na qual iriam entrar. A ideia é que a travessia seria rápida.
Mas o resultado da incursão exploratória foi tão dramático que eles ficaram 40
anos dando voltas no deserto, até que uma geração perecesse. É uma história
terrível de se contar. Terrível de lembrar. Mortal de viver. E quando eu voltei
ao texto bíblico para estuda-lo, eu me deparei com algumas revelações
profundas.
Cades Barneia é o lugar
em que a profecia morreu: Miriam morreu em Cades. Ela era
profetisa. Ela foi a pessoa que, tendo uma percepção especial de Deus ainda
menina, levou Moisés e o colocou diante da princesa para que ele pudesse ser
poupado. Miriam compôs o cântico de livramento diante do Mar de Juncos. Com ela
estavam diversas promessas de Deus. Ela passou 80 anos esperando Moisés se
revelar como a pessoa chamada por Deus para liderar o Êxodo. A profecia tem
resistência, resiliência e paciência. Enquanto as coisas não acontecem, a
profecia anima, ampara, faz esperançar. Mas quando a profecia morre, o povo
precisa entender que está sem a direção da voz de Deus. E quando o povo para de
ouvir a voz de Deus, vai ouvir a voz do medo, da dispersão, da desagregação.
Cades Barneia é o lugar
em que uma parada não devia ter acontecido: Talvez o
problema tenha sido que o povo acampou num lugar e ficou ali parado. Há
momentos em que precisamos parar, refletir. Mas há paradas que liberam a
estagnação. Há paradas que promovem a procrastinação. Há paradas que incitam à
murmuração. Cades Barneia foi o lugar em que a mente ociosa do povo voltou-se
para o passado glorioso: “Ah, que tempo bom era o tempo da escravidão. A gente
penava, mas pelo menos tinha carne”. O passado glorioso é assim. Ele apaga o
que a gente não quer lembrar, para que fiquemos com uma impressão parcial das
coisas. Ele nos apega ao que já não existe. Se foi bom ou ruim, a verdade é que
não podemos voltar mais atrás. Agora só existe o para frente. E se ficamos com
medo de avançar, e não podemos mais retroceder, o que sobra é a inércia. Meu
irmão, minha irmã! A inércia no deserto significa morte! E não podemos nos
desvencilhar do fato de que essa inércia, essa indecisão é resultado direto da
morte da profecia. Quem não tem a palavra de Deus brandada em seu coração pelo
Espírito Santo apega-se ao passado e à nostalgia. Quem tem profecia tem passado
para dizer que Deus fez e tem futuro para crer que ele fará!
Cades Barneia é o lugar
em que uma versão da realidade prevaleceu sobre a outra:
Não era mentira que os inimigos eram poderosos. Não era mentira que a situação
era crítica. Não era mentira que o povo era pouco, inexperiente e despreparado
para um enfrentamento daqueles. Sim, o povo da terra era alto. Sim, a coisa
seria muito difícil. Não era possível não entrar na batalha. Mas esta é uma
versão da realidade, não o seu todo. Algo pode ser verdade e ainda assim não
ser o todo... Veja: havia uma promessa clara de Deus, que estava pairando no
ar. O povo perdeu isso de vida porque deixou a profecia morrer! O que eles não
percebiam é que Deus não deixa de falar quando ele quer! Durante o tempo de
vida de Moisés, ele não parece, nos textos bíblicos, ter sido visto como um
profeta. Quando ele morre, o autor deuteronomista dá a ele este título. A gente
mesmo hoje o reconhece como libertador, como legislador, mas damos pouca
importância porque já definimos o que é profecia e ele não parece muito isso!
Mas um profeta é alguém que fala com Deus, Deus fala com ele e ele fala de
Deus! Isso acontecia! E Deus estava falando pela boca de Moisés! Mas o povo
estava com a face da morte diante de si. Estremeceu. Perdeu a perspectiva.
Diminuiu a realidade. O povo inimigo era grande, mas Deus estava com eles. E
eles leram assim: Deus estava com eles, mas o inimigo era grande. O lugar do
mas, eu já disse antes, faz muita diferença...
Cades Barneia é o lugar
da decisão: Esse preciso momento é o nosso Cades Barneia. Cades
Barneia, traduzido por lugar da decisão. Por não ter querido enfrentar seus
inimigos, Israel pediu passagem por outro caminho, para o rei de Edom, mas ele
se recusou. O povo de Israel fugiu da batalha principal, mas encontrou várias
outras pelo caminho do escape. O caminho do escape, o atalho que se pega para
ter vantagem ou a volta que se dá para não fazer um enfrentamento difícil, ele
nunca é um salvo conduto. Ele traz outras armadilhas e perigos que a gente não
atravessaria se mantivesse o curso original, para cujos perigos já havíamos
recebido proteção e provisão. Cades Barneia é lugar de decisão porque escolhemos
o que fazer. Mas pode ser traduzido por lugar de julgamento, que é onde aqueles
que descreem encontram o fim de sua jornada, são retirados das promessas.
Também é traduzido por lugar da separação, porque fica evidente quem permanece
e quem sai, quem persiste e quem desiste, quem vence e quem é derrotado.
Este tempo, esta
situação, esta crise, este caos... ele é o nosso Cades Barneia. Podemos sair
daqui e entrar nos frutos e no leite e mel. Ou podemos continuar a dar voltas
pelo deserto. Chegaremos à terra prometida? Chegaremos, porque Deus é fiel na
nossa infidelidade. Ele quer um povo para si e ele vai ter o povo. Mas este
povo pode chegar menor lá. Este povo pode morrer no deserto e outra geração
apenas se aproveitar do fruto. Eu não quero isso pra mim. Você quer? Ficar pelo
caminho (literal ou figurativamente que seja)? Eu não. Eu quero subir ao monte
da minha promessa. Eu quero conquistar minha própria herança. Eu quero viver e
contar os feitos do Senhor.
O pregador Valdir Ávila,
na revista Impacto, descreveu a situação de incredulidade e a definiu como
“Sindrome de Cades Barneia”. Eis suas palavras: “O que é a Síndrome de
Cades-Barnéia que pode novamente nos impedir de tomar a decisão certa? É olhar
a situação à nossa frente com olhos humanos; ao ver que a nossa força é
totalmente insuficiente, o medo toma conta e nos derrota, impedindo Deus de
realizar seu plano em nós. É exatamente este estado mórbido, indeciso e apático
que é explicito na vida da igreja atual e que denuncia que ainda não estamos
prontos para um estágio maior”.
Por hoje, esta batalha
parece difícil, mas eu sei que sem passar por ela, vou ter de dar voltas que
Deus não precisa que eu dê, mas nas quais eu mesma me meti. Há dignidade na
luta. Há dignidade no reconhecimento dos erros e no recomeço. Há dignidade e
até proteção, porque no meio da espionagem Deus prepara até poços nos quais a
gente se esconda na hora pior. Há proteção, mas não há fuga, irmãos e irmãs. Há
reparações a serem feitas. Há perdões a serem dados e liberados. Há uma fé a
ser adquirida e uma estratégia a ser praticada. Há uma remissão de pecados a
acontecer.
Precisamos crer,
desesperadamente, integralmente, despojadamente. Crer. Crer e avançar sobre
gigantes. Fazer o correto, do jeito de Deus, nos termos de Deus, por mais que
doa, por mais que desafie e seja difícil até o fim. O fim não é o deserto. É a
terra prometida. Mas você e eu não teremos o mel sem passar pela prova
necessária deste deserto. A igreja precisa decidir se vai confiar em Deus e
enfrentar, ou se vai buscar rotas de fuga. O tempo é este. Não deixe a profecia
morrer. Não pare antes da hora. Não veja as coisas por perspectivas limitadas.
Não tome a decisão errada. Creia!
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