Introdução
De 13 a 20 de maio de 2007, nossa Igreja realizou uma semana de intensas atividades, chamada Semana Wesleyana, à semelhança da que acontece em diversas esferas de nossa Igreja, inclusive na Faculdade de Teologia. Seria um tempo de evangelismo, celebração, capacitação, comunhão, ação social, lazer e muito mais. Animados e desafiados, meu esposo e eu, como pastor e pastora, nos engajamos profundamente no projeto.
E no domingo do dia 13, quando iríamos receber o bispo para abrir os eventos, celebrando, inclusive, o aniversário da Igreja, eu quebrei o meu pé ao tropeçar com a sandália. Sem perceber que meu pé havia “adormecido”, caminhei e virei o tornozelo. Que chateação, que complicação!
Agora, a semana já acabou e até mesmo atrasei-me uns dias na entrega deste texto para a Revista Voz Missionária. Enquanto escrevo, sinto o peso do gesso em meu pé. Tive de me adaptar a uma muleta e à constante necessidade de pedir ajuda às pessoas. Porém, esses dois fatores são inevitáveis para que a restauração do meu pé aconteça.
De fato, minha experiência me mostra que toda restauração envolve pelo menos dois momentos: a perda e a recuperação. E entre esses dois pontos, existe um misto de dor, de conquista. Ao final do processo, ficam as cicatrizes e as histórias, o amadurecimento e o novo passo. Enquanto isso, vamos escrevendo a vida, enfrentando o processo. Olho para o meu gesso e vejo nele os rabiscos de minha filha Amanda, que está aprendendo a fazer o seu “A”. E, apesar da dificuldade, encontro uma razão para sorrir. Como o povo, quando escreveu o Salmo 126.
Passado ou futuro?
De início, é interessante observar que algumas traduções deste Salmo trazem os verbos no futuro e outras, no passado. Essa é uma peculiaridade do hebraico que permite algumas leituras distintas. A tradução que mais utilizamos, de João Ferreira de Almeida, faz opção pelos verbos no passado. Mas outras, como “Salmos - Grande Comentário Bíblico” de Arthur Weiser e “Bíblia Sêfer”, da editora de mesmo nome, trazem os verbos no futuro.
Sem querer entrar muito nas técnicas do texto, mas valendo-me mais da intuição, posso dizer que esse Salmo expressa muito bem a idéia da restauração como algo contínuo na nossa vida. A renovação da nossa existência é constante. A partir de decisões que tomamos, tudo pode mudar e isso a todo o tempo: terminar ou começar um estudo, um relacionamento, um projeto, pode alterar o rumo da vida para sempre. E é sempre um recomeço, seja voltar um pouco atrás, seja caminhar em outra direção.
Por isso esse Salmo, que está contido nos cânticos cantados durante a peregrinação a Jerusalém (das subidas, dos degraus, de ascensão, entre outros subtítulos que aparecem na seção dos salmos 120-134), traz em si a síntese do passado e do futuro.
Podemos nos lembrar todos os dias de eventos de salvação que Deus tem operado em nossa vida, assim como o povo poderia se lembrar de inimigos que se levantaram contra eles ao longo dos séculos: egípcios, assírios, filisteus, cananeus em geral, babilônios e até aos tempos de Jesus ainda mais, como os ptolomeus, os gregos, os romanos... Não faltaram oposições nem opressões ou exílios. Entretanto, a todo o tempo, Deus proveu livramento, consolo, milagres, sinais e a possibilidade de recomeçar, reconstruir e renovar a vida e a esperança. Por isso, o sofrimento ou dificuldade presente é sempre uma condição tanto de memória quanto de esperança. Sabemos o que Deus fez e cremos no que ele fará!
Parecerá um sonho
O Salmo nos aponta uma situação difícil para o povo. A Bíblia Sêfer traduz assim o primeiro versículo: “Quando o Eterno trouxer de volta a Sião, a nós, seus exilados, nos parecerá estar sonhando”. Essa tradução explicita ainda mais o sentido de “restaurar a sorte de Sião”, que aparece na maioria das outras traduções, colocando a restauração no contexto da libertação. “Restaurar a sorte” também indica uma idéia de recuperação da dignidade e isso só é possível para quem se sente livre para ser um cidadão, parte de um povo, o que era muito importante para o povo de Israel e tinha a ver com sua identidade.
Com a delicadeza de quem pinta um quadro com palavras, o salmista quase que nos faz visualizar a cena: a boca cheia de riso, a língua cheia de cânticos. A restauração também tem um aspecto testemunhal, pois as nações estrangeiras confirmarão o fato de que Deus está em ação no meio do seu povo. E o povo afirma que sim, de fato, “grandes coisas fez o Senhor por nós”. Esta é a razão de “estarmos alegres”.
A restauração é sempre fonte de alegria, de regozijo e de esperança. Em nosso mundo hoje, temos perdido a capacidade e a dimensão do sonho. Vemos isso nas coisas mais simples do cotidiano. Observe apenas os jovens à sua volta: como tem sido difícil para eles sonhar! Antigamente, sempre havia facilidade em dizer o que a gente queria ser quando crescesse. Mesmo que fosse impossível, o sonho existia. Hoje, infelizmente, quando se faz essa pergunta a um jovem pré-universitário, não é raro receber a triste resposta: “Ainda não sei”.
Lágrimas que regam sementes
O Salmo nos convida a redescobrir o sonho e a vivê-lo nas pequenas e grandes restaurações que Deus faz em nossa vida. Ele também nos fala que isso não impede as tristezas, mas dá a elas uma razão de ser. Segundo Weiser, o final do Salmo recupera uma idéia generalizada na antiguidade, de que o processo de semeadura era difícil e, por isso, triste. Semear dá trabalho. Enquanto se semeia, os pés e mãos se ferem, o corpo se cansa, o sol castiga.
Em algumas mitologias antigas, a idéia de morte está presente na semente sepultada sob a terra. Semear é um tempo de dor. Mas a visão dos campos floridos, dos frutos amadurecidos compensa tudo. A lágrima não foi desperdiçada: ela regou a colheita. A restauração tem frutos como resultado. Ela é sempre um processo frutífero, por mais dolorido que seja. Por isso, é possível ver sorrisos onde antes havia lágrimas.
Afinal de contas, como vai acontecer comigo em relação ao pé quebrado, podemos antecipar o tempo em que largaremos as muletas de nossas limitações, andaremos livremente em amplos espaços e comeremos o fruto de um novo dia de verdadeira vida, de plenitude e de liberdade. Em sentidos muito mais amplos do que o salmista, em seu tempo, poderia imaginar!
Bibliografia
BIBLIA SAGRADA (Traduzida em português por João Ferreira de Almeida. Revista e atualizada no Brasil). 2.ed. Barueri, Sociedade Bíblica do Brasil, 1993
GORODOVITS, David e FRIDLIN, David. Bíblia Hebraica. São Paulo, Editora Sêfer, 2006
WEISER, Arthur. Salmos. São Paulo, Paulus, 1984 (Coleção Grande Comentário Bíblico)
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eu gostaria de saber como que eu faço para adquirir esse comentario Coleção Comentario Biblico - Arthur Weiser..........
ResponderExcluirque Deus abençoe a todos........ meu email é
pr.edinholara@hotmail.com